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Heróis são humanos e também falham

Alguém dúvida que Churchill tenha sido um grande herói e um dos maiores estadistas do mundo? Pois é. Mas Churchill estava bem longe de ser alguém perfeito. Ao contrário: tinha vários defeitos conhecidos, um passado não muito louvável, e isso porque não havia hacker para expor conversas privadas suas.

Aliás, perfeição entre homens não existem. Somos todos falíveis. Mas isso não precisa nos levar ao relativismo de que somos todos iguais. Essa narrativa é típica de invejosos que querem derrubar os melhores. Os indecentes e imorais sempre se esforçam para lembrar que ninguém é perfeito, não é mesmo?

Pobre do povo que precisa de heróis? Discordo de Brecht. Pobre do povo que tem os heróis errados, como Macunaíma, como Lula. Ter heróis é importante para inspirar, como norte moral. Claro que os heróis de ficção ou os mitos fundadores são mais seguros, pois não existem ou não vivem mais. Os “pais fundadores” são heróis do segundo tipo para americanos, enquanto Batman é um herói do primeiro tipo, despertando a “imaginação moral” no público.

Colocar num patamar de herói um ser humano imperfeito, falível, é sempre um risco. Eventualmente algum dado desabonador pode vir à tona, expor um lado mais sombrio seu. Mas mesmo sendo arriscado, acho que um povo precisa escolher seus heróis sim, e que sejam aqueles melhores entre nós, os mais corajosos, íntegros, com virtudes que aprendemos a estimar justamente porque raras.

Toda essa introdução é para chegar em Sergio Moro, claro. Um juiz que teve a coragem de ir para o sacrifício pessoal, arriscando a própria vida para punir corruptos perigosos de uma imensa organização criminosa. E que fez isso, ao que tudo indica até aqui, buscando permanecer dentro dos limites da lei, de forma republicana.

Pode ter esticado a corda aqui ou ali? Pode. Mas causa espanto a cobrança geral de um “garantismo” quase obsessivo e shakespeariano, como Shylock em O mercador de Veneza, cobrando com exatidão a “letra da lei”, exigindo sua libra de carne de Antonio como dizia o contrato. O editorial desta quarta do Estadão, pedindo afastamento precoce de Moro, parecia escrito na Suíça, e não no Brasil.

Atenção! Em nosso país é sempre preciso dizer o óbvio: isso não quer dizer que os nobres fins justificam quaisquer meios, ou que Moro deva estar acima de críticas, ou que a Lava Jato não tenha comedido excessos que precisam ser denunciados ou corrigidos. O que isso quer dizer é que chama a atenção o cinismo, a hipocrisia e o oportunismo das “virgens do bordel”, aquelas que demandam uma pureza plena inexistente dos xerifes, enquanto fazem de tudo para relativizar a roubalheira dos bandidos.

Em sua coluna de hoje, o socialista Verissimo, aquele que “matou” a velhinha de Taubaté para não ter de criticar seu PT, questiona que tipo de herói é Moro, endossa a tese cínica de Brecht, e conclui que o juiz da Lava Jato virou herói só por falta de opção, pela cara de bom moço, pela desesperança dos brasileiros. É um pigmeu atacando um gigante! Um defensor do bandido Lula tentando se vingar do seu algoz, daquele que teve a coragem de aplicar a lei mesmo contra um poderoso ex-presidente.

Carlos Alberto Sardenberg, um jornalista sério, derruba as falácias de Verissimo na coluna logo abaixo. Para Sardenberg, há uma turma “garantista” que, no fundo, pretende apenas preservar a impunidade e destruir a Lava Jato. Diz o jornalista:

Eis o ponto. A Lava-Jato inovou na investigação, sempre coordenada, envolvendo Ministério Público, Polícia Federal, Receita Federal, Coaf e outros órgãos, utilizou instrumentos contemporâneos, como a delação premiada, e introduziu interpretações jurídicas. Tudo isso permitiu caracterizar e punir os crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha entre políticos e empresários.

Ou seja, o “Direito Penal de Curitiba” descobriu e apanhou um monstruoso assalto ao Estado que vinha sendo praticado há muitos e muitos anos. O outro Direito Penal, o velho, o da corte brasiliense, simplesmente não viu nada disso. Onde o velho Direito, chamado garantista, via “simples caixa dois”, uma simples infração eleitoral, o novo descobriu lavagem de dinheiro.

[…]

Tudo isso para dizer que há, sim, uma campanha aberta contra a Lava-Jato. Fazem parte os corruptos já descobertos e os que temem ser apanhados; os políticos que estavam acostumados a se servir do poder; a esquerda que quer livrar Lula, o comandante da operação toda; a direita que quer a farra de volta.

E também estão nesse esforço advogados, por razões óbvias, e juízes. Por que juízes? Porque para muitos deles a Lava-Jato é a prova viva de quantos crimes deixaram passar ou não quiseram ver.

A divulgação das conversas Moro/Dallagnol faz parte disso. E o que tem ali é, sim, uma certa coordenação formal de trabalho. Legítima. Não republicanas são as relações entre magistrados, advogados, políticos e réus, mantidas a festas e jantares e viagens na corte brasiliense.

E o pessoal do site Intercept não faz jornalismo. É pura militância.

Certíssimo! Moro não precisa ser endeusado, colocado num pedestal, acima do bem e do mal ou de críticas. É humano, falível, imperfeito. Isso é o óbvio! Mas pode sim, deve!, ser admirado, respeitado, e ter seu trabalho corajoso louvado.

Graças a ele e aos procuradores, policiais federais e tantos outros, uma enorme quadrilha foi desbaratada, bilhões foram devolvidos aos cofres públicos, e gente muito rica e poderosa foi presa, alimentando o sonho de igualdade perante as leis em nosso país. É isso que muita gente não perdoa em Moro!

E aí partem para pretextos, picuinhas, críticas exageradas ou até mesmo uma campanha canalha que tenta coloca-lo como o criminoso nessa história, não o juiz que fez valer as leis para poderosos. A melhor resposta veio no jogo desta quarta do Flamengo contra o CSA, em Brasília. Ao lado do presidente Bolsonaro, Sergio Moro apareceu de terno, depois ambos colocaram a camisa do time rubro-negro, e foram ovacionados pela torcida presente.

Uma demonstração de força e popularidade, para deixar claro que o povo brasileiro não será facilmente enganado por bandoleiros disfarçados de “republicanos suíços” – quando interessa.

Rodrigo Constantino

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