A Holanda costuma ser associada à ideia de um país tranquilo, civilizado, com todos circulando com suas bikes por aqueles lindos canais. Isso sem falar do time “laranja mecânica” de futebol, por suas cervejas e pelo vanguardismo na liberação do consumo de drogas. Em Amsterdã, onde estive, faz tempo em que esse experimento começou e produziu controvérsias, pois os resultados parecem longe do satisfatório. Mas daí a falar em nação-narco, dominada pelo crime? Não é puro sensacionalismo da imprensa em busca de audiência?
Bem, foi a chamada no The Guardian, jornal esquerdista, com base em relatório de uma associação policial. O alerta é de que a polícia holandesa estaria se tornando incapaz de combater a emergência de uma economia paralela criminosa, o que não pode ser corroborado por estatísticas oficiais, mas o motivo seria a desistência das vítimas em reportar os incidentes. Ou seja, a coisa teria se tornado tão mais frequente que as pessoas teriam abandonado até esperanças de combatê-la.
“Apenas um em nove grupos criminosos podem ser abordado com as pessoas e os recursos atuais”, diz o relatório. Os detetives percebem que os pequenos crimes se desenvolvem em ricas organizações que se estabelecem na indústria hospitalar, no setor imobiliário, nas agências de viagens, na classe média. O relatório vem de um sindicato da polícia holandesa e se baseou em entrevistas com 400 detetives, e diz que a Holanda preenche hoje vários quesitos de uma nação-narco, com o surgimento de um estado paralelo.
Os críticos da legalização da maconha nos coffee shops e da prostituição aberta nas ruas (a “red light street” é mundialmente famosa) alegam que essa “política de tolerância” ajudou a transformar o país num hub internacional para o tráfico de drogas e pessoas. A maioria do ecstasy consumido na Europa e nos Estados Unidos vem de laboratórios no sul da Holanda, cada vez mais administrados por gangues marroquinas ligadas à produção de cannabis.
O porto de Roterdã é extremamente ativo em todos os negócios, e isso inclui tráfico de drogas também. Segundo o Europol, metade dos €5.7 bilhões em cocaína comercializados por ano na Europa passa pelo porto. A associação policial demanda um efetivo de mais 2 mil oficiais recrutados, e muitos críticos poderão ver esse alarmismo como uma tentativa de extorquir mais recursos do governo central. Porém, diz o jornal, as denúncias batem com outro relatório vazado no começo do ano, elaborado pelo Ministério Público.
Enquanto houve uma queda de 25% no número de crimes reportados nos últimos 9 anos, o relatório apontava que 3,5 milhões de crimes ficavam sem registro todo ano, mais do que o triplo daquilo que era oficialmente registrado. O relatório também suscitava o receio de que as autoridades estavam ficando com uma “desvantagem insuperável” em relação aos criminosos.
O prefeito de Amsterdã, a força policial local e o promotor público da capital holandesa também advertiram publicamente este mês sobre o crescimento do crime organizado, assim como para uma mudança em direção a crimes “invisíveis” em certas vizinhanças, fora do controle e da vista das autoridades. O chefe da polícia de Amsterdã, Pieter-Jaap Aalbersberg, alegou que seu pessoal estava gastando 60 a 70% de seu tempo tentando combater os crimes pontuais das gangues.
Jovens aceitam matar por quantias consideradas pequenas na realidade holandesa, como três mil euros. No passado, o valor para esse tipo de crime era de 50 mil. E com a polícia lutando com dificuldades para combater os grandes crimes, os menores passam despercebidos ou ignorados. Os crimes que miram em idosos ou alvos mais vulneráveis acabam impunes, e apenas 20% seria registrado.
O ministro da justiça e segurança, Ferd Grapperhaus, admitiu ter recebido o relatório da polícia alertando para a falta de capacidade de combater o crime organizado, e disse que era sinal de que o alerta tinha que ser levado a sério. “Esse governo reconhece que é necessário investir na força policial”, disse. Por isso ele anunciou mais investimentos este ano, assim como cem milhões de euros só para o combate ao crime organizado. Ainda assim, ele acha um exagero chamar o país de “nação-narco”.
Talvez ele esteja certo. Talvez haja algum exagero no relatório da polícia. Mas se a Holanda insistir no multiculturalismo politicamente correto, na política de tolerância às drogas, e no “welfare state” que reduz as oportunidades dos mais jovens, o termo poderá ser o mais adequado em alguns anos…
Rodrigo Constantino
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