Por Bernardo Santoro, publicado pelo Instituto Liberal
O assunto homofobia voltou a dar o que falar nessa semana, quando a apresentadora Patricia Abravanel citou, em programa do seu pai, Silvio Santos, que não achava normal atos homossexuais, mas que, se depois de adulta, a pessoa se inclinasse a isso, tudo bem. Uma declaração, na minha opinião, absolutamente legítima e até de difícil classificação como preconceituosa, mas foi o suficiente para que a patrulha politicamente correta a atacasse nas redes sociais.
Como foi um caso muito parecido com um problema envolvendo o Dep. Jair Bolsonaro, adaptei um antigo texto meu para a circunstância atual, com algumas modificações em virtude de novas leituras.
As duas questões que precisam ser debatidas aqui são: (i) a liberdade sexual e (ii) a liberdade de expressão.
A LIBERDADE SEXUAL E OS DIREITOS DOS HOMOSSEXUAIS
Uma das principais bandeiras do movimento liberal do século XVIII e XIX, que norteou todas as revoluções americanas e europeias, salvo raríssimas exceções, até 1840, foi a separação da igreja e do Estado como pressuposto para o alcance da verdadeira liberdade do indivíduo frente a essas instituições. Esse princípio é hoje item praticamente obrigatório no constitucionalismo moderno.
Esse movimento teve como clara conseqüência um afrouxamento da repressão ao movimento homossexual. Logo, o movimento liberal clássico, fora um movimento de apoio à liberdade sexual, embora de maneira tímida, e sem esse direcionamento específico. Nunca foi bandeira liberal a promoção do homossexualismo, mas a própria execução prática do liberalismo no plano político gerou a ampliação da liberdade desse grupo social, e é uma bandeira liberal a liberdade individual.
O movimento socialista original, por outro lado, repudiou de maneira veemente a liberdade sexual. Engels condenou a homossexualidade masculina no livro “A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado”, descrevendo-a como algo “moralmente deteriorado”, ”abominável”, “repugnante” e “degradante”. Marx escreveu que “a relação entre o homem e a mulher é a relação mais natural de ser humano com ser humano” e descreveu Karl Boruttau, um autor de um texto que defendia as liberdades sexuais, como um “Schwanzschwulen” (“bichona desprezível” ou “veado desprezível”). Escritores socialistas como Hekma, Oosterhuis e Steakley afirmam que Marx e Engels encaravam qualquer forma de sexualidade fora do casamento monogâmico heterossexual como uma degeneração produzida pelo capitalismo e passível de cura pelo socialismo.
Com o crescente diálogo do movimento liberal com o movimento conservador e religioso ao longo do século XIX e XX, movimentos de liberdade sexual acabaram por buscar apoio nos movimentos socialistas, já que, muito embora o socialismo, na sua origem, fosse um movimento contra a liberdade sexual, também era um movimento anti-religioso, não tendo uma moral tão inflexível acerca desse tema.
A própria ascensão de um socialismo pós-marxista, baseado no pensamento de Gramsci e dos autores da Escola de Frankfurt, com ênfase no ataque à cultura religiosa tradicional como um todo para atingir a questão econômica apenas na consequência, aprofundou o diálogo entre o movimento gay e a esquerda.
Indo um pouco mais longe no marxismo cultural, os movimentos feminista e queer modernos se descolaram totalmente do pensamento liberal de tolerância e liberdade para impor uma agenda normativa de comportamento homoafetivo, em conjunto com um discurso de quase intolerância contra quem o critica.
Já o movimento libertário moderno, baseado no direito de propriedade e no dever da não-iniciação da agressão, tenta abraçar o movimento com uma postura de defesa dos direitos individuais, mas não consegue se conectar com os grupos de pressão homossexuais, especialmente em países como o Brasil, onde já há um tratamento isonômico entre gays e héteros, não havendo muito mais onde se prosperar uma agenda liberal na área.
A LIBERDADE DE EXPRESSÃO E A “HOMOFOBIAFOBIA”
É creditada a Voltaire a seguinte frase: “eu posso não concordar com o que você diz, mas defenderei até a morte o direito de dizê-las”. Essa frase é extremamente significativa e reflete cristalinamente o ideal da liberdade de expressão, direito natural do homem fruto do direito de propriedade sobre seu pensamento e seu corpo.
A patrulha politicamente correta que se encontra mais forte do que nunca na atual sociedade ocidental desprezou o discurso de Patricia Abravanel, e inclusive possui o direito de fazer isso, mas é clara a linha entre o desprezo argumentativo e o uso da máquina coercitiva do Estado para impedir a liberdade de expressão, o que parece ser o próximo passo dos movimentos de esquerda, já tendo avisado para a imprensa que entraram com processos contra Patricia.
Assim como todo homossexual tem o direito de ser homossexual, todo homofóbico tem o direito de ser homofóbico, desde que ambos respeitem seus respectivos direitos de propriedade e deveres de não-iniciação de agressão.
No caso em tela, a simples manifestação de pensamento de entender a conduta homossexual como não correta não rompeu com esse respeito. Como botafoguense, por exemplo, não creio ser correto torcer pelo Flamengo, e essa manifestação de pensamento não pode ser criminalizada em nenhuma hipótese.
E de fato não é crime essa manifestação de pensamento. O famoso projeto de criminalização da homofobia (PL 122) nunca foi aprovado.
E se a abordagem acaba por ser no sentido de que todo “discurso de ódio” deve ser rechaçado, o próprio discurso do movimento gay organizado acaba se tornando um discurso de ódio contra movimentos e pensamentos de direita. Verdadeira “homofobiafobia”.
Precisamos de mais tolerância de todos, e reforçar com urgência o sentido e a importância da liberdade de expressão como base da democracia.
Ou como diria a ex-Presidente, “mais amor, por favor”, mas para todos os lados.