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Imperialismo sem senso comum

Por Guilherme Dalla Costa, publicado no Instituto Liberal

Quando Niall Ferguson, um dos autores britânicos mais controversos, publica um livro, pode-se esperar algo novo e opiniões polarizadas. Império: como os britânicos fizeram o mundo moderno não é a exceção. À procura das raízes históricas do sucesso de um país pobre e chuvoso do norte da Europa, Ferguson cobre meio milênio de História britânica, mostrando como diplomacia, comércio e canhoneiras moldaram o mundo que conhecemos.

É impossível ler Império sem comparar a colonização britânica com a portuguesa. Esse ponto da história daquele país, que representa a maior parte do livro, esclarece por que as colônias inglesas tiveram, em geral, um sucesso muito maior do que as latinas ou germânicas. Seu mérito vem da admissão de suas limitações: como podia uma população tão pequena dominar o mundo? Assim, diferente de nossos antigos senhores lusitanos, a política colonial britânica era deixar as colônias à própria sorte. Os benefícios disso foram mais que surpreendentes: ao invés de anarquia, surgiu nas Treze Colônias e depois no Canadá uma organização espontâneo, com o objetivo de perseguir a liberdade religiosa, a indústria e o comércio e, enfim, beiravam o laissez faire. As colônias administradas mais de perto como a Jamaica tiveram o resultado que todos sabemos.  Já a América do Norte era a “Land of opportunity” muito antes que qualquer cartaz fosse colado em Dublin ou Glasgou tentando atrair imigrantes.

Essa é, por sinal, uma característica marcante do Império Britânico, especialmente sob o reinado da Rainha Vitória: a emigração. Os primeiros imigrantes, assim como no caso do Brasil, não vinham para a América em liberdade. Pelo contrário, vinham acorrentados em navios negreiros. Em seguida, os que imigravam por contrato se viam em situação análoga. Como um país tão religioso e autoproclamado “Império da Liberdade” podia tratar homens e filhos de Deus de maneira diferente? Eis o choque: diferente do que está no currículo escolar brasileiro, o autor prova que a abolição da escravatura não foi um ato de interesse econômico com a intenção de criar um mercado consumidor. Na verdade, como era típico do racismo da época, eles acreditavam que os ex-escravos cairiam na miséria. A questão era moral, a iniciativa partiu das igrejas anglicanas e a pressão não veio de uma elite industrial, mas dos milhões que iam às ruas de Londres e Liverpool exigindo a abolição.

Os outros três maiores produtos de exportação britânicos eram os missionários, capital e a guerra. Milhares dos mais brilhantes jovens britânicos se aventuraram por terras desconhecidas da África, Ásia e Oceania, levando consigo uma Bíblia, uma metralhadora Maxim ou um sextante. O objetivo era o mesmo: acreditando que eram um povo superior, não era sua obrigação levar a civilização, o comércio e Deus às terras bárbaras? As mortes eram consideradas efeito colateral. A questão do capital também é bem diferente do que se supõe. Ao invés de investiram na produção doméstica e exportarem, os britânicos estavam sempre procurando por oportunidades de instalar fábricas, cortar florestas com ferrovias, iluminar cidades ou construir portos.

O livro, surpreendente, não possui whitewashing ou white guilt; em outras palavras, não glorifica nem demoniza os britânicos. Eles eram racistas, cometeram sua cota de mortes e começaram guerras por coisas tão banais quanto chá, assim como escravizaram e pilharam cidades. Além disso, também foram responsáveis pela industrialização de diversos países, forçaram a abolição da escravidão e o fim do tráfico negreiro, iniciaram as primeiras campanhas filantrópicas de larga escala e venderam – ou impuseram – ao mundo o Império da Lei. Niall Ferguson é competente em seu trabalho historiográfico, nos mostrando que o império sob o sol não foi feito por reis ou heróis, mas sim por homens. A obra deixa no ar a instigante pergunta: é possível e correto impôr liberdade?

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