O clima político no país poucas vezes esteve tão polarizado e tóxico. Em parte isso se deve ao advento das redes sociais, um fenômeno que vemos no mundo todo. E em parte se deve ao petismo, que investiu tudo na narrativa tribal do “nós contra eles” e, depois do retumbante fracasso, produziu como reação uma espécie de petismo de sinal trocado: a “direita” tribal.
Qualquer um que, nesse ambiente, tentar sugerir que devemos travar um diálogo civilizado com o “outro lado” será logo acusado de “isentão”, covarde, ingênuo ou coisa pior, como “prostituta de comunista”. Há que se colocar limites, sem dúvida: ninguém razoável crê ser possível ter um diálogo decente com um comunista radical, com um nazista ou com um fascista.
Mas muitos usam os casos extremos para atacar um espantalho: se você defender a importância de uma conversa com a esquerda, mesmo aquela mais civilizada, então você só pode ser um agente comunista infiltrado. E isso é uma tremenda bobagem!
Aqui nos Estados Unidos, conservadores como Ben Shapiro, que detonam diariamente as baboseiras esquerdistas, defendem o valor da pluralidade e da civilidade, ou seja, a capacidade de se “cruzar o corredor” para ter uma conversa sincera com o outro.
O grande perigo é adotar postura fanática de dono da razão, de infalível, de que “está sempre certo”, e de que o outro é uma pessoa ruim, não com ideias equivocadas, mas com essência podre, intenções malignas. É assim que a esquerda radical faz, tentando monopolizar as virtudes de forma canalha. E infelizmente é assim que uma ala da “direita” tem feito.
Francisco Razzo, em texto sobre a importância da boa filosofia, argumentou:
Política significa, antes de tudo, o poder da discussão, do confronto de ideias e do diálogo constante, do exercício tênue e persistente da razão. Óbvio que me refiro aqui à política no sentido de vida que se realiza em comunidades democráticas formadas por seres racionais, passionais e livres, e não no sentido de pura expressão do poder como exercício do domínio bruto do mais forte em relação ao mais fraco. Só tiranos são tarados pela política como relação de poder, só eles vivem pela consagração da força e pela glória de serem cultuados por uma multidão de gente submissa, pois só eles querem o poder custe a alma que custar.
Para Razzo, “Nessa atmosfera saturada por inabaláveis certezas políticas, só o exercício filosófico pode ajudar o mundo a se tornar um pouco melhor”. E ele está certo. Não por acaso venho dedicando inúmeros textos ao combate ao tribalismo, seja de esquerda, seja de direita.
Alexandre Borges mencionou em seu Twitter que está lendo o novo livro de Malcolm Gladwell, sempre leitura instigante: “Conversando com estranhos toca num ponto sensível de hoje, a necessidade de se comunicar e compreender quem tem um sistema de valores diferente do seu. Vale a pena”.
Borges comentou, na mesma linha, sobre a postura louvável de Ted Cruz, numa brincadeira amigável com o democrata Andrew Yang, em que o desafiava para uma aposta no basquete: “Ninguém duvida das credenciais ideológicas conservadoras de @tedcruz, muito menos da sua inteligência. Nada menos que um gênio. Ele tem constantemente construído pontes de diálogo com outros setores da política americana em nome da democracia e da civilidade. É um gigante”.
O verdadeiro conservador é prudente, humilde e prega, acima de tudo, a preservação dos pilares da civilização. E entre tais pilares está, certamente, a capacidade de um convívio decente e respeitoso com quem discorda de nós. Uma das críticas mais importantes feitas por conservadores hoje é justamente sobre o esgarçamento do tecido social, a perda dos espaços em comunidades que serviam para agregar pessoas de background diferente, mas unidas em prol de algo comum.
As redes sociais e o tribalismo estão ajudando a esgarçar ainda mais esse tecido. Indivíduos se unem, formam um grupo monolítico, e partem para a agressão a quem quer que ouse pensar diferente. A intolerância segue aumentando, e a civilidade se perde nesse mar revolto. Não será viável resgatar a civilização ocidental e tudo que ela representa se não for possível o convívio civilizado com o contraditório.
Rodrigo Constantino
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