Tenho pra mim que boa parte do fenômeno Bolsonaro, como o de Trump aqui nos EUA, é fruto do cansaço de muitos com o partidarismo e o viés ideológico da grande imprensa. É verdade que essa reação exagera na dose, chamando a toda mídia mainstream de fábrica de fake news ou “extrema-imprensa”, mas cá entre nós: a perda de credibilidade é parcialmente merecida.
A incapacidade de a imensa maioria dos jornalistas tratar a extrema esquerda como deveria – reconhecendo sua natureza antidemocrática – e de, por outro lado, exagerar nas cores da suposta “ameaça fascista” de lideranças nacional-populistas – como o próprio Bolsonaro e o Trump – coloca o público em estado de alerta e impaciência.
Vou dar um exemplo, entre tantos. Em seu editorial neste fim de semana, o jornal O GLOBO tentou atacar a esquerda radical. Digo tentou, pois o tiro saiu pela culatra. Num texto em que se condena o regime venezuelano e se menciona até o Foro de SP, o fantasma antes ignorado amplamente pela imprensa, o jornal conseguiu distorcer o essencial.
Para começo de conversa, enaltece a postura de Mujica, o queridinho da esquerda, só porque ele, vejam só, admite que há uma ditadura sob Maduro hoje. Grande coisa! Mujica prega em essência os mesmos meios que essa turma. Em seguida, o editorial alivia a barra até do preposto de Kirchner na Argentina, como se ele realmente rejeitasse a via bolivariana: “Também Alberto Fernández, vencedor das primárias presidenciais na Argentina, se preocupou em se afastar da ditadura chavista, que financiou campanhas dos ex-presidentes Néstor e Cristina Kirchner”. Mas algum jornalista sério leva esse afastamento a sério?
Por fim, chegamos ao Brasil: “No Brasil, porém, partidos como o PT, o PDT, o PCdoB e o PSB cultivam um notável silêncio”, escreve o jornal, deixando de fora o PSOL, queridinho dos jornalistas e que apoia oficialmente o regime de Maduro. Ao chamar de cleptocracia, o jornal quer afastar a verdadeira causa dos males venezuelanos: o socialismo, o mesmo que essa turma toda ainda defende.
“Aparentemente, a luta pelos direitos humanos deixou de ser um imperativo ético e determinante para uma parte da autodenominada esquerda brasileira”, conclui o editorial. Reparem no uso do termo autodenominada, como se essa gente não fosse de fato esquerda. A intenção é preservar a esquerda, sendo que o jornal é incapaz de falar em extrema esquerda, enquanto usa e abusa da expressão extrema direita, mesmo para se referir a conservadores. E cabe perguntar: a luta pelos direitos humanos deixou de ser um imperativo ético para a esquerda? E quando efetivamente foi? Ou essa mesma patota já não defende a ditadura assassina em Cuba há décadas?
O desejo de proteger a esquerda, mesmo sua ala mais fanática e antidemocrática, salta aos olhos. É uma boa vontade que jamais veríamos quando se trata da direita. E o leitor percebe o truque, ainda mais com as redes sociais hoje. Não dá mais para enganar a maioria desse jeito. E cada tentativa de fazê-lo é mais munição para Bolsonaro ou Trump…
Rodrigo Constantino