Receita Federal, Polícia Federal, Coaf, Inpe, IBGE, Anvisa, ANTT: todos esses órgãos, que são de estado, acabaram sofrendo algum tipo de interferência direta do presidente nesses primeiros oito meses de governo. Bolsonaro, por motivos legítimos ou não, vem tratando essas entidades como uma extensão do governo federal, mas elas precisam estar blindadas de qualquer ingerência política. Exercem funções de estado, não de governo.
Há muita coisa boa acontecendo por mérito do governo, e que acaba ganhando menos destaque do que deveria na imprensa, seja por má vontade e implicância dos jornalistas, que não gostam do presidente, seja porque ele mesmo cria tantas polêmicas desnecessárias que essas picuinhas e falas infelizes e pouco presenciáveis acabam ofuscando o que vem funcionando.
Com muita boa vontade podemos até imaginar se tratar de uma estratégia: Bolsonaro fica dizendo besteira enquanto seus bons ministros trabalham e entregam resultados, sem muita resistência da imprensa, ocupada de assuntos menores.
O ponto é que para a postura pouco presidencial de Bolsonaro eu não ligo tanto assim, por mais que meu lado conservador adore a ideia de um cavalheiro representando o país. Não é essa a realidade brasileira, porém, e paciência. É preciso definir prioridades, e estas são as reformas de Paulo Guedes, a agenda anticrime de Moro e afastar a esquerda do poder.
Mas o mais importante é mesmo o que vem sendo feito. E aqui temos, como calcanhar de Aquiles desse governo, essa visão personalista que avança sobre órgãos de estado. Isso, sim, é preocupante e relevante. Não há provas ainda de que cada mudança foi para enfraquecer o trabalho desses funcionários, mas há indícios, e a reação da Receita na troca de comando em Itaguaí tem sido forte.
Quem deve assumir o Coaf sob o Banco Central é Ricardo Liáo, funcionário de carreira e respeitado. Menos mal. Já o novo PGR, após arrastada novela, deve ser Antônio Carlos Simões Soares, que teria sido indicação do filho Flavio Bolsonaro, justamente o senador enrolado em investigações de suspeita de corrupção. Não pega bem, para dizer o mínimo.
Em defesa do presidente, podemos até aceitar a premissa de que houve aparelhamento ideológico após décadas de hegemonia esquerdista, e que o governo atual quer desfazer esta influência. Mas, em primeiro lugar, as áreas e os indivíduos alvejados não deram sinais desse viés, e a Receita, em especial, vem fazendo um bom trabalho independente, assim como o Coaf. Em segundo lugar, não é aparelhando com os seus que se resolve o problema de um eventual aparelhamento anterior, e sim fortalecendo a independência dos órgãos. Não parece o caso aqui.
Entendo o problema da “revanche do deep state”, e meu texto para a Gazeta impressa deste fim de semana foi exatamente sobre isso, usando o exemplo de Trump nos Estados Unidos. Mas, como disse, não há evidências de que esses órgãos e esses funcionários substituídos estivessem sabotando o governo Bolsonaro. O que parece mais provável, até aqui, é o contrário: Bolsonaro estaria sabotando esses órgãos, e isso é grave, muito grave, e absolutamente nada republicano.
A conferir as cenas dos próximos capítulos, para verificar se Bolsonaro está minando a independência dessas instituições de fato. Tomara que não seja esse o caso, apesar dos indícios…
Rodrigo Constantino