Essa polêmica envolvendo as queimadas na Amazônia é daquele tipo onde é possível e até recomendável criticar todos os lados. Sobre o lado esquerdo, já comentei aqui, mostrando o oportunismo e a hipocrisia presentes nessa histeria toda, nessa campanha política contra o governo Bolsonaro que ignora os dados, o contexto e abandona qualquer prudência.
Esse capítulo ganhou dimensão extra, porém, com a entrada dos players globais na cena. Igualmente oportunistas e cínicos, líderes de países europeus ou da ONU acharam que era o momento de capitalizar internamente demonstrando preocupação e revolta com os incêndios, e incendiaram o clima.
O presidente francês Macron foi um passo além, chamou a Amazônia de “nossa”, e deu a entender que algum tipo de intervenção internacional seria justificada, tudo isso enquanto a sua casa de fato acaba de ver Notre Dame em chamas. Macron, convenhamos, é um idiota.
Mas aí vem a reação da “direita” bolsonarista. Se eu posso chamar o presidente francês de idiota, o mesmo não se aplica ao filho do presidente que fora indicado para ser embaixador dos Estados Unidos. Mas foi exatamente o que Eduardo Bolsonaro fez: achou de bom tom compartilhar um vídeo de um youtuber polêmico que estampa já no título o rótulo: Macron é um idiota!
O grau de imaturidade só rivaliza com o grau de irresponsabilidade. Diante da forte reação, os robôs bolsonaristas entraram em campo virtual para defender Eduardo, justificar a fala “infeliz”, e reforçar que o Brasil precisa, sim, falar grosso com essa gente. Essa turma bolsonarista realmente confunde o Twitter com a realidade, e acha que “mitar” e esfregar na cara dos “gringos otários” algumas “verdades” é a postura mais adequada para quem pretende ser embaixador.
Leandro Ruschel, um bolsonarista influente, foi além e comentou: “O que está em curso nessa histeria sobre a Amazônia é um ato de guerra promovido pelos globalistas. Um ataque à soberania brasileira com a utilização de mentiras e distorções, contando com forte apoio da imprensa nacional”. É preciso ter cuidado com as palavras, pois elas têm consequência: ato de guerra? Sério?
Então a resposta deve ser enviar tropas para conquistar a Torre Eiffel? Devemos mobilizar soldados nas fronteiras do norte para reagir? O que tem de “revolucionário de Twitter” tendo orgasmos só de pensar numa guerra contra a França para proteger a “soberania nacional”… seriam os primeiros a fugir para as colinas!
Claro que os bolsonaristas podem sempre apelar para o “sentido metafórico”, mas eis o ponto: estamos falando de gente que realmente aposta no clima do confronto permanente como estratégia política, que se enxerga como os templários lutando para resgatar a civilização ocidental e a alta cultura, enquanto atacam e xingam todos os que discordam, usando muita baixaria normalmente. É o caos!
O ministro Ernesto Araújo, por exemplo, numa série de tweets, afirmou que o ataque ao governo por conta da Amazônia é uma reação ao sucesso das nossas mudanças econômicas. Coloquem o chapéu de alumínio que os globalistas vão nos invadir para manter o Brasil um “curral” da Europa! Resta avisar as boas novas aos 13 milhões de desempregados e explicar o crescimento abaixo de 1% do PIB este ano…
A postura de Macron, ONU e companhia é altamente oportunista e condenável, mas a reação bolsonarista, com sua retórica de guerra, é irresponsável e temerária. Todo governo com problemas internos e viés autoritário gosta de encontrar inimigos externos para desviar a atenção. Está em 1984 de George Orwell. O general Villas Boas, numa série de tweets, subiu o tom da ameaça alguns decibéis acima do razoável:
Com uma clareza dificilmente vista, estamos assistindo a mais um país europeu, dessa vez a França, por intermédio do seu presidente Macron, realizar ataques diretos à soberania brasileira, que inclui, objetivamente, ameaças de emprego do poder militar. Segundo ele o tema será discutido na próxima reunião do G7 dentro de 2 dias. A questão que se coloca é de onde viria autoridade moral daquele país que, como disse Ho Chi Minh, é a patria do Iluminismo, mas quando viaja se esquece de levá-lo consigo. Trata-se da mesma França que de 1966 até 1996, a despeito dos reclamos mundiais, realizou 193 testes nucleares na Polinésia Francesa, expondo o Taiti, ilha mais povoada da região, a índices de radiação 500 vezes maiores que o máximo recomendado por agências internacionais. […] A questão ultrapassa os limites do aceitável na dinâmica das relações internacionais. É hora do Brasil e dos brasileiros se posicionarem firmemente diante dessas ameaças, pois é o nosso futuro, como nação, que está em jogo.
Numa lista de nomes de “patriotas” que não seriam ignorantes no assunto, o general inclui o do comunista Aldo Rebelo, do PCdoB. É onde extrema esquerda encontra a direita militarista: no nacionalismo exacerbado. Vejam: eu condeno o globalismo! Eu abomino essas ONGs oportunistas! Mas acham mesmo que Macron está pensando em enviar tropas para conquistar a Amazônia brasileira?!
Pelo incrível que pareça, foi o presidente Bolsonaro quem teve que colocar panos quentes e mostrar uma reação mais razoável. Ele escreveu: “Lamento que o presidente Macron busque instrumentalizar uma questão interna do Brasil e de outros países amazônicos p/ ganhos políticos pessoais. O tom sensacionalista com que se refere à Amazônia (apelando até p/ fotos falsas) não contribui em nada para a solução do problema”. Eis aí uma crítica legítima no tom correto!
E Bolsonaro continuou: “O Governo brasileiro segue aberto ao diálogo, com base em dados objetivos e no respeito mútuo. A sugestão do presidente francês, de que assuntos amazônicos sejam discutidos no G7 sem a participação dos países da região, evoca mentalidade colonialista descabida no século XXI”. Novamente, a resposta é adequada e merecida, mas sem arroubos militaristas, sem rótulos depreciativos, sem histeria reversa do lado de cá.
Sim, devemos ficar atentos aos interesses oportunistas de brasileiros e estrangeiros na Amazônia, palco de muito esquema de corrupção e um potencial inexplorado. Não podemos cair na falácia de que estão todos preocupados apenas com o bem-estar das nossas florestas, o que exige um patamar de ingenuidade ímpar.
Mas devemos reagir dentro do bom senso, sem cair nas falácias do outro extremo, dos seguidores de Steve Bannon e Alex Jones, os nacional-populistas com viés autoritário que enxergam comunistas e globalistas terríveis por todo canto, até embaixo da cama, e pregam como solução quase sempre o confronto direto. O fato de gente com esse perfil estar no governo é que tira nosso sono…
Rodrigo Constantino
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