Por Percival Puggina
Estados quebrados, alquebrados e ainda encontro quem diga: “Fulano não é o governador? Então ele que resolva”. Resolver, aqui, significa que o governante deve encontrar uma fórmula de manter ou ampliar o gasto público, porque os abusos da festa não podem parar. Nosso modelo institucional terceiriza responsabilidades e irresponsabilidades. O que faz a maior parte dos governos e o que fazem os parlamentos diante dessa mentalidade senão determinar que siga o embalo, que role a droga da gastança, que se mantenham os vícios do sistema, que se atendam todas as demandas?
No nosso sistema político, com escassas exceções, parlamentares e governantes funcionam como organismos que metabolizam recursos públicos e os transformam em votos. Os ambicionados sufrágios não provêm da dedicação ao bem da comunidade ou de uma convicção sobre como alcançar o desenvolvimento econômico e social. Não, não. Os votos são moeda de troca num balcão onde, de algum modo, a contribuição fiscal de todos pode ser canalizada para atender demandas de alguns. Quem o fizer com maior eficiência, mais futuro terá, ainda que tais conquistas representem freio puxado no futuro dos demais.
Observe o que ocorre quando, num parlamento brasileiro, em plena crise econômica e fiscal, está em deliberação projeto que eleva vencimentos dos poderes ou de determinadas categorias de servidores. As galerias estão tomadas por interessados na aprovação. A cada pronunciamento favorável, chovem elogios e aplausos. A cada fala em contrário, trovejam insultos e vaias. Sentado em sua cadeira, o parlamentar-padrão a tudo assiste e se indaga: “Quantos eleitores meus estão aí? Quantos votos posso ganhar junto a essa categoria se me posicionar favoRavelmente ao que pretendem? Quantos perderei se o fizer?”. É uma contabilidade inequivocamente favorável à festa Rave porque, em nosso sistema, os parlamentares não sabem quem são ou podem vir a ser seus eleitores. Ademais, deputados eleitos obtêm, em média, votos de 1/3 do eleitorado apto (e a maior parte de seus eleitores não lembra seu nome). Os 2/3 restantes correspondem a votos nulos, brancos, abstenções ou foram concedidos a candidatos não eleitos.
No voto distrital, o território do Estado ou do município é dividido em distritos eleitorais e cada distrito escolhe seu parlamentar numa eleição majoritária (como a eleição de prefeito). Ora, assim como dificilmente alguém esquece o nome do prefeito, dificilmente alguém esquece o nome do representante de seu distrito. Sua atividade e seu voto são acompanhados de perto. Ele é uma pessoa “criada ali na volta”, como se costuma dizer no interior. Na hora de uma votação como a descrita acima, em que o parlamentar tem que escolher entre a responsabilidade e a irresponsabilidade, ele ponderará: “Quantos eleitores desse grupo de interesse existem em meu distrito? (E verá que são poucos). Quantos eleitores do meu distrito não estão dispostos a pagar essa conta? (E verá que são muitos). É uma contabilidade inequivocamente contra a festa Rave da irresponsabilidade fiscal.
Numa eleição pelo sistema distrital, ninguém consegue mandato com votos de uma camada da sociedade ou de um grupo organizado, como esses que hoje viabilizam eleições de inúmeros parlamentares. Para eleger-se num distrito, o candidato precisa colher votos, como numa fatia de torta, em todas as camadas sociais do distrito que deseja representar. Também isso é fortemente determinante de sua conduta.
A festa Rave da irresponsabilidade fiscal consome duas drogas fornecidas pelo nosso sistema político: o presidencialismo e a eleição proporcional para os parlamentos.