Por Roberto Ellery, publicado pelo Instituto Liberal
No dia 17/03 o Estadão fez uma reportagem a respeito do início de uma tensão entre Joaquim Levy, presidente do BNDES, e Paulo Guedes por conta da devolução de recursos do Tesouro que estão no banco. Não é algo inesperado, a resistência às devoluções do BNDES para o Tesouro é fortes e possui diversas origens. Grandes empresários, clientes do banco e financiadores de campanha reclamam, porque o BNDES terá menos recursos para emprestar; congressistas reclamam, porque querem projetos financiados pelo banco em seus redutos eleitorais; governadores e prefeitos reclamam, porque querem obras financiadas em seus estados e municípios; os técnicos do banco reclamam, porque quanto mais empréstimo maiores poderão ser os bônus recebidos e por aí vai.
É natural que o presidente do banco acabe ficando preso entre o correto desejo do ministro da Economia de recuperar o dinheiro e tantas pressões para manter o dinheiro no banco. Nem todo mundo tem a disposição da Maria Silvia Bastos Marques, que presidiu o BNDES entre maio de 2016 e maio de 2017 e saiu do cargo após a divulgação do famoso áudio da conversa entre Temer e Joesley Batista onde, entre outras coisas, o empresário reclama da gestão dela. Torço muito para que Levy repita Maria Silvia e compre a briga para reduzir o tamanho do BNDES, mas isso é algo que só o futuro vai dizer.
Para crédito de Levy, a devolução dos recursos para o Tesouro começou em 2015 quando ele ocupava o cargo de ministro da Fazenda. Segundo dados na página do BNDES (link aqui) naquele ano foram devolvidos R$ 15,8 bilhões, nos anos seguintes as devoluções aumentaram. A figura abaixo mostra as devoluções corrigidas pelo IPCA para valores de fevereiro deste ano. Repare que com Maria Silvia houve um crescimento significativo das devoluções. Em maio de 2017 o economista liberal Paulo Rabello de Castro assumiu a presidência do BNDES e lá ficou até abril de 2018; coincidência ou não, em 2017 houve uma queda brusca das devoluções do banco para o Tesouro. Em abril de 2018 foi a vez de Dyogo Henrique de Oliveira assumir a presidência do banco, onde ficou até janeiro de 2019; em 2018 as devoluções tornaram a subir.
Em janeiro deste ano Paulo Guedes assumiu o Ministério da Economia afirmando que queria de volta o dinheiro do Tesouro que foi para o BNDES; na época falou-se em R$ 200 bilhões ao todos e que R$ 100 bilhões seriam pagos ainda em 2019 (link aqui). Não é uma tarefa impossível; de acordo com os dados do BNDES, o banco tem um saldo devedor com o Tesouro de R$ 396 bilhões. Já foi maior; em março de 2016 o saldo devedor era de R$ 518 bilhões. Se alguém estiver preocupado com o impacto da redução do BNDES no investimento, recomendo uma olhada em texto meu, do professor Antônio Junior e do Adolfo Sachsida, atual titular da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia. No texto mostramos que o impacto do BNDES na taxa de investimento não foi significativo. Por outro lado, a devolução pode ser grande ajuda para um governo que luta desesperadamente para controlar seus gastos. A figura abaixo mostra o saldo devedor do BNDES junto ao Tesouro. É fundamental retomar a trajetória de queda.
Paulo Guedes tem dito que pretende usar os recursos para abater a dívida. Eu posso pensar em outros usos, como reduzir a carga tributária, mas a ideia de Guedes não é ruim, pelo contrário; é muito bom que o responsável pela economia tenha como prioridade reduzir a dívida pública e, por consequência, os juros pagos pelo governo. Não podemos continuar como um dos países emergentes mais endividados do mundo – ver figura abaixo – enquanto temos algumas centenas de bilhões de reais nas mãos de um banco de investimento gigantesco e com eficiência para lá de duvidosa. Em janeiro, Paulo Guedes falou em cobrar R$ 200 bilhões do BNDES, R$ 100 bilhões só neste ano, com uma Selic de 6,5%. Uma aproximação rápida sugere que esses R$ 200 bilhões poupariam do Tesouro cerca de R$ 13 bilhões por ano em juros; na lei orçamentária de 2019 os recursos do Tesouro previstos para Ciência e Tecnologia são de cerca de R$ 14,3 bilhões.
Deve ficar claro que a retirada dos recursos do Tesouro não significa o fim do BNDES. Segundo os dados mais recentes disponíveis na página do banco, em junho de 2018 tais recursos correspondiam a 44,1% dos recursos totais à disposição do BNDES; em 2014 correspondiam a 57,7% (link aqui). O BNDES pode continuar funcionando com os recursos do FAT/PIS-PASEP para se financiar. Em junho de 2018, essa fonte respondia por 33,7% do total dos recursos do banco. Se bem trabalhados, esses recursos serão suficientes para manter o BNDES em operação… até que um próximo governo resolva mexer no parágrafo primeiro do artigo 239 da Constituição Federal, mas isso é conversa para o futuro.