Todo Congresso é podre! São ao menos 300 picaretas! Os partidos não passam de siglas fisiológicas dominadas por caciques! É preciso mudar radicalmente a forma de se fazer política no país! Chega do toma-lá-dá-cá e da troca de cargos por votos! Todos agora vão votar apenas de acordo com a consciência e o patriotismo!
São declarações bonitas, inspiradoras, quase comoventes. Mas ingênuas também. Sei que no rastro da Lava Jato e da vitória de Bolsonaro, lembrar disso é como jogar uma ducha de água fria nos mais otimistas. Sou o cara da ducha, porém. Vim trazer realismo onde há excesso de esperança infundada.
Será que a política brasileira pode mesmo prescindir dos partidos, caciques e trocas de votos por “favores”, ainda que legais? Ora, essa é a essência da democracia representativa. É verdade que as coisas no Brasil, como de praxe, chegaram a um patamar absurdo de indecência. Mas, como venho alertando faz tempo, é preciso tomar cuidado para não jogar o bebê fora junto com a água suja do banho.
E parece que Bolsonaro, para a decepção dos mais “puristas”, demonstra compreender isso com algum pragmatismo. Essa notícia diz que o presidente eleito já aceitaria indicações de partidos para o segundo escalão, ainda que assegurando não topar trocas de favores:
O presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) acenou nesta quarta-feira (5) a parlamentares que irá negociar, nas próximas semanas, cargos no segundo escalão do futuro governo para obter apoio no Congresso. De acordo com relatos feitos à reportagem, a promessa foi feita em encontro com deputados do PR, em Brasília.
Bolsonaro recebeu durante a tarde da quarta as bancadas do PR e do PSDB. Um dia antes, havia conversado com integrantes do MDB e PRB.
Segundo participantes do encontro de Bolsonaro com o PR, parte do discurso do presidente eleito foi de que a política não será feita como nos mandatos anteriores, com troca de favores. Apesar disso, Bolsonaro sinalizou que vai ouvir as siglas para formar seu segundo escalão, que engloba cargos federais nos ministérios e nos estados.
E alguém acredita mesmo que é possível simplesmente ignorar os partidos e seus comandantes? William Waack, um dos melhores jornalistas do país, escreveu uma coluna sobre o assunto também, comentando uma entrevista que fez com quatro jovens parlamentares eleitos, que juram de pé junto que vão “fazer diferente” e que seus votos serão totalmente ligados ao que acreditam, e nada mais. Waack também trouxe o balde de água fria, ou gelada:
Em comum, dizem que vão votar pela própria consciência. “Sem caciques?”, veio a pergunta. “Sem caciques”, responderam. “Política como era”, adiantou um deles, “não vai mais ter”. É exatamente o que Jair Bolsonaro disse na terça-feira, no primeiro encontro do presidente eleito com uma bancada partidária, a do MDB. Na saída, o líder do MDB na Câmara, Baleia Rossi (SP), disse que seu partido (a expressão consumada da velha política) não vai pedir cargos no novo governo. Todo mundo fingiu que acreditou.
Está decretado o fim do toma lá, dá cá, do presidencialismo de coalizão? Um presidente popular, cavalgando uma onda fortíssima de transformação política, vai conseguir governar sem ter de distribuir cargos, favores, ministérios “porta fechada” a políticos em troca de votos no Congresso? Acho dificílimo beirando o improvável. Por mais que se reconheça o impacto do voto de outubro, o sistema de governo está montado assim.
A renovação da Câmara para 2019 está um pouco acima dos padrões habituais, mas o que interessa sobretudo é a qualidade da renovação – e aqui há tanto boas surpresas quanto muito a desejar. Caciques apanharam, legendas tradicionais foram surradas, mas, paradoxalmente, o novo governo vai sentir falta de operadores capazes de fazer as coisas funcionarem. Afinal, não estamos falando de um ajuntamento de políticos reunidos como se fossem participantes de uma assembleia que só vota sim ou não. O Legislativo é uma instituição não só com muitos poderes, mas também com um acentuado espírito de corpo. Não é à toa que mesmo os recém-eleitos já falam da escolha de um presidente da Casa que não seja “pau-mandado do governo”.
[…]
Em parte, o governo é refém da promessa de acabar de um golpe só com o fisiologismo. Na ausência de uma profunda e ampla reforma política é temerário acreditar que isso aconteça por súbita “conversão” dos parlamentares (ou pela pressão articulada através de redes sociais). A política tal como ela é, com seus compromissos, negociações, troca de favores e influências – nada disso precisa ser imoral ou ilícito –, é a verdadeira escolinha que aguarda os recém-eleitos.
Quase todos nós, pessoas que tentamos ser decentes e seguir princípios, oscilamos entre aderir cegamente a tais princípios e adotar um viés mais pragmático na vida. Os resultados, afinal, importam, a menos que vivamos numa Torre de Marfim (normalmente bancada por papai).
Somente os jacobinos “puristas”, revolucionários, acham que é viável e desejável implodir todo o sistema e recomeçar do zero, fazendo tábula rasa de tudo. O mundo real não funciona assim. Nele, fazemos concessões à realidade como ela é, não como gostaríamos que fosse.
Sei que esse discurso realista vai azedar o almoço de muita gente empolgada com a Lava Jato e a vitória de Bolsonaro. Ele criou grandes expectativas mesmo, admito. Era parte da estratégia para a vitória e, sendo menos cínico, acho que seu desejo sincero por mudança.
Mas terá um encontro inevitável com o mundo real da política nacional. E esse mundo não é encantado, onde cada parlamentar analisa friamente a proposta, pesa os prós e contras levando em consideração aquilo que for melhor para o Brasil, e vota.
Nem por isso vamos defender o mensalão, claro! Mas podemos defender alguma dose de pragmatismo e concessão, para que as propostas mais importantes sejam finalmente aprovadas. Ou o jacobino “purista” prefere que Bolsonaro declare guerra a todos os partidos e caciques, e a reforma previdenciária nunca saia do papel? Normalmente só pode se dar a tal luxo aquele que não tem boletos para pagar…
Rodrigo Constantino
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