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Justiça move quase 40 ações contra jornal após reportagem sobre salário de juízes: retaliação?

Três repórteres e outros dois profissionais do jornal Gazeta do Povo, do Paraná estão sendo processados por magistrados e promotores do Ministério Público do Estado após terem publicado uma reportagem especial sobre os vencimentos recebidos por juízes e representantes do Ministério Público neste ano. Os profissionais do jornal, de 97 anos de existência, são alvo de pelo menos 37 processos judiciais movidos de abril até agora em várias cidades do Estado.

A reportagem publicada no mês de fevereiro mostrava que, somadas as gratificações, o rendimento médio dos juízes e promotores superava o teto constitucional do funcionalismo público, de mais de 30.000 reais.

As ações judiciais geraram notas de repúdio da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e da Associação Nacional de Jornais (ANJ). Para a associação investigativa, “os processos na Justiça não buscam a reparação de eventuais danos provocados pelas reportagens, mas intimidar o trabalho da imprensa e, por isso, são um atentado à democracia”. A ANJ também disse que “a iniciativa conjunta, em diferentes locais do Paraná, tem o claro objetivo de intimidar, retaliar e constranger o livre exercício do jornalismo”. “É lastimável que juízes se utilizem de forma abusiva da Justiça, não com o intuito de reparar danos, mas de limitar o direito dos cidadãos a serem livremente informados”, afirmou a ANJ.

Ao todo, os processos contra os repórteres Francisco Botelho Marés de Souza, Rogério Galindo e Euclides Garcia, um analista de sistemas, Evandro Balmant, e um infografista, Guilherme Storck, cobram indenização total de cerca de 1,3 milhão e reais do jornal. As ações foram movidas em Juizados Especiais – cujo valor máximo das ações é de 40 salários mínimos -, o que obriga os cinco profissionais a comparecerem às audiências. Até agora o grupo já percorreu 6.300 quilômetros para acompanhar dezenove audiências em quinze municípios do Paraná. Caso não seja apresentada nenhuma nova ação ou nova audiência seja marcada, eles ainda terão de comparecer a mais quinze compromissos judiciais.

Para o diretor de redação da Gazeta do Povo, Leonardo Mendes Júnior, a iniciativa dos magistrados do Estado é um atentado à liberdade de imprensa. “Infelizmente um grupo de magistrados não teve a sensibilidade de perceber a relevância do tema [vencimentos do Judiciário] e também não estão tendo a sensibilidade de perceber que o que eles estão fazendo de maneira claramente orquestrada é um atentado gravíssimo à liberdade de expressão, à liberdade de imprensa”, disse. “Na prática já fomos condenados, não conseguimos trabalhar, não temos vida e não sabemos quando isso vai acabar”, lamenta o repórter Euclides Garcia.

Isso tudo é uma lástima, ainda mais por acontecer na “República de Curitiba”, terra do juiz federal Sergio Moro e epicentro da Operação Lava-Jato. Como em toda profissão, há profissionais bons e ruins, aqueles que abusam dos poderes e outros que seguem estritamente seus limites éticos e legais.

A relação entre imprensa e poder nunca será tranquila, ou não deveria ser. Afinal, o papel da imprensa é incomodar, investigar, divulgar fatos incômodos, trazer transparência para a coisa pública. Jornalistas poderão sempre errar na mão, e para isso há a Justiça. Mas quando o instrumento passa a ser usado claramente para intimidar o jornal, para impedir seu trabalho, aí é muito grave.

Sabemos que muitas autoridades no Brasil gostam de dar a velha e famosa “carteirada”, que não estão acostumadas a questionamentos, à transparência. Os magistrados não gostaram particularmente do uso do termo “supersalários” usado pela reportagem. Que venham a público provar que não se trata de um “supersalário” então, ora. Mas não tentem calar a imprensa, obstruir o trabalho do jornalismo.

Imaginem como estaria o Brasil hoje sem o jornalismo independente. Eu digo: seríamos a Venezuela! Foi esse jornalismo que levantou o mensalão, o petrolão, os escândalos que ameaçam a paz de muito político em Brasília e nos estados e municípios hoje. Quem quer calar a imprensa ou impedir seu trabalho independente, com truques jurídicos ou regulação legal, são aqueles com viés autoritário, ditatorial, como o próprio PT.

Que juízes abusem dessa prerrogativa é mesmo uma pena, e algo muito preocupante. Censura não combina com liberdade, e uma República que mereça tal nome não pode coadunar com práticas que visam a intimidar os jornalistas. A Gazeta do Povo, que tem feito um ótimo trabalho, merece todo apoio nesse momento delicado. Enfrentar juízes nunca é agradável. Ainda mais no Brasil, país em que fiscal da Lei Seca se ferra por cobrar de juiz o cumprimento das regras que deveriam ser isonômicas.

Rodrigo Constantino

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