A Faculdade de Economia do Rio, acompanhada da USP, foi pioneira no sistema universitário brasileiro; e o IBRE-FGV introduziu e desenvolveu no Brasil, de forma também pioneira, nos anos 1940, as chamadas “tecnologias” keynesianas, as quais depois Campos se tornaria opositor ferrenho: contas nacionais, balanços de pagamentos e índices de preços. Como é conhecido, essas instituições ofereceram contribuições importantes para o processo de desenvolvimento industrial e de modernização da sociedade brasileira posteriormente.
Roberto Campos não foi, porém, apenas um alto funcionário de agências do poder executivo. Lembrando o austríaco Friderich August von Hayek, que diz “não ser bom economista quem for apenas economista”, ele resolve se tornar, a partir dos anos 1980, um policrata (híbrido de político e burocrata). Para se colocar do outro lado da política, no Congresso, ele tem que enfrentar os desafios da competição eleitoral. São interessantes as descrições de sua campanha para senador no estado do Mato Grosso, onde as habilidades de palanque e o atendimento de favores para a obtenção de votos se misturam com os trunfos trazidos pela condição de tecnocrata, intermediando empréstimos internacionais para seu estado.
O leitor observará que as memórias são muitas vezes misturadas com trechos de análises técnicas sobre desenvolvimento industrial, planejamento, sistema financeiro, reserva de mercado para a área de informática e outras questões do gênero, nas quais o autor esteve envolvido. Nesses “ensaios econômicos” ele expõe seus pontos de vista, assumindo posições que na linguagem da moda poderiam ser denominadas “neoliberais”. Independente da adesão ou não às orientações políticas e ideológicas de Roberto Campos, o livro é um documento imprescindível para aqueles que, deixando de lado preconceitos, pretendem conhecer “por dentro” o Estado e o sistema político do país, a partir da vivência reconstruída de um de seus personagens mais importantes.
Mas a contribuição de uma obra de memória será tanto maior quanto for a percepção do leitor de todos seus efeitos simbólicos. Nela, o autor pretende produzir conhecimento sobre si, algumas vezes prestar contas ou esclarecer fatos, como na passagem em que Campos relembra o Acordo de Roboré sobre o petróleo boliviano, episódio que parece ter sido dos mais dolorosos de sua vida política e que acabou gerando a alcunha de “Bob Fields” pela esquerda da época acusar Campos de “entreguista”.
Além disso, através da construção de suas memórias, o autor pretende gerar também o reconhecimento de si próprio. Vale a pena transcrever, por sua expressividade, como ele apresenta fatos simples da vida pessoal – ano e mês de nascimento – de forma construída, isto é, relacionada à interpretação de grandes acontecimentos históricos e tomada de sentido pelas palavras de campos no final do livro: “Nasci num annus terribilis e num mês cruel. O ano foi 1917, em plena I Guerra Mundial, poucos meses antes da revolução comunista de outubro, o mais sangrento experimento de engenharia social de todos os tempos (…) O mês era abril, que o poeta T. S. Eliot descreveu como” o mais cruel dos meses, misturando memória e desejo’’. Memória e desejo. Justamente o que aqui está em jogo”.