Nada contra o comediante do ano, Fábio Porchat. Acho até seu sucesso merecido. Mas isso não quer dizer que não vou criticar seu artigo no Estadão, que não tem muita graça. Trata-se de uma visão acomodada e falsa do Brasil, como se não fôssemos diferentes ou mesmo piores do que os países de primeiro mundo.
Quando um pai ama seu filho, a crítica construtiva é parte fundamental do processo de educação. “Quem ama, educa”, diria Içami Tiba. Jogar para baixo do tapete os principais defeitos é garantir que nunca haverá progresso, evolução.
Concordo que devemos evitar o oposto, o velho complexo de vira-latas, que só enxerga defeito em casa e acha que a grama do vizinho é sempre mais verde. Mas convenhamos: haverá casos claros em que a grama do vizinho realmente está mais verde e bem aparada. Que tal aproveitar o que há de bom lá fora?
Porchat diz em seu texto:
O que quero dizer com isso tudo? Que eu acho que vai dar tudo certo por aqui. Vamos superfaturar as obras (o que é um absurdo, óbvio), não falamos uma palavra de língua nenhuma, não temos o menor preparo para receber turista nenhum de outro país, mas mesmo assim, vai ser tudo um sucesso. Temos que cobrar sim, temos que protestar sim, temos que fazer barulho e ficar em cima, mas pelo que eu tô entendendo, nenhuma população de nenhum lugar do mundo acha muita graça em receber um evento dessa magnitude.
É mais caótico do que divertido. E o brasileiro adora menosprezar o Brasil. O aeroporto de Guarulhos é um lixo? É. Mas ficar uma hora esperando a bagagem chegar eu também fiquei em Paris e em Nova York. A escada rolante do aeroporto parada e em manutenção eu também encontrei em Lisboa. Pessoas esparramadas no chão dormindo pelo saguão da sala de embarque? Foi o que eu vi em Dubai. Claro que um erro não justifica o outro, mas é assim em toda cidade grande no mundo. As coisas dão errado.
Mas, em Paris, eu não vi nenhum brasileiro mandando um “imagina na Copa”. É porque lá fora é primeiro mundo, né? Outro dia passando pelo detector de metais no Galeão, uma mulher, que teve que tirar o sapato porque tinha mais metal nele do que numa armadura medieval, falava em alto e bom som que só no Brasil mesmo para ela ter que passar por essa vergonha. Paisinho de merda. Eu não desejo a ela uma singela viagem pra Miami. Ela praticamente vai ter que tirar o DIU no aeroporto de lá.
A gente cisma que a gente é péssimo. Cisma que a gente é terceiro mundo. Cisma que nada aqui dá certo. E a gente até tem razão. Mas não vem pra cima de mim cismar que lá fora é que é legal que eu já te adianto que legal mesmo é onde a gente mora! Ponto.
Pois é, Porchat. A gente cisma que é terceiro mundo, e a gente até tem razão. Mas não vamos cismar que lá fora é legal, pois legal mesmo é onde a gente mora? Bem, para falar isso, é bom morar em uma casa ou apartamento bem legal mesmo, em condomínio com segurança, pois fica complicado repetir a frase morando em uma favela dominada por traficantes e sem saneamento básico, não é mesmo?
A escada rolante do aeroporto de Lisboa estava ruim? Acontece sim, sem dúvida. Mas vamos mesmo comparar o aeroporto de Lisboa e suas estradas com o Guarulhos e nossas rodovias da morte? Esperar mala pode levar um tempo lá fora também, mas por acaso o Aeroporto Internacional de Miami parece uma rodoviária como o Galeão?
Lugar legal é onde a gente mora? Mas é tão legal assim ter medo de andar de carro com vidro aberto? É legal criar fortalezas de muros com medo de bandidos? É tão legal mal poder usar um Rolex no pulso, e se for roubado ainda ter que escutar do Sakamoto que a culpa é sua, por ter um Rolex?
É legal morar em um lugar onde se leva oito anos para julgar um escândalo como o mensalão, e ainda ter de aturar os corruptos se fazendo de injustiçados? É legal morar num país com alto grau de analfabetismo e malandragem, que coloca no poder esses petistas bolivarianos?
Ok, você teve uma ou outra experiência ruim no Japão. Mas sério que pretende comparar os serviços nos países de primeiro mundo com aqueles oferecidos no Rio de Janeiro? Sugiro que você vá em qualquer Starbucks nos Estados Unidos, qualquer um dos milhares, e depois compare com o atendimento no Starbucks carioca.
Sinto muito, Porchat, mas esse tipo de postura não agrega valor. Dissimula, finge que o problema não existe, relativiza nossos males, como se fossem “apenas diferentes”, e que todos tivessem os mesmos tipos de problemas. Claro que não há lugar perfeito. Isso é o óbvio. Mas não quer dizer que Suíça e Maranhão sejam “apenas diferentes”, não é mesmo?
Enquanto o brasileiro mantiver essa mentalidade de que temos nossos defeitos, mas é assim mesmo, e em todo lugar é parecido, não vamos evoluir, chegar ao posto de primeiro mundo. E acredite, Porchat: estamos muito longe disso! Nossos defeitos são típicos de país tupiniquim, de terceiro mundo, de República das Bananas. Só vamos mudar isso quando enfrentarmos a dura realidade, em vez de tentar mascará-la.
Gosto de suas piadas. Mas fala sério, vai!
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