Tentar levar mais transparência e meritocracia para as empresas estatais é um objetivo louvável do governo Temer, que já marca uma gritante diferença em relação ao anterior. Sabemos que o PT encarou todas as estatais como braços partidários, como instrumentos de uso eleitoral e também para enriquecimento ilícito de seus membros. Por isso mesmo a sociedade exige uma resposta, e a Lei das Estatais é um bom começo.
Em seu editorial de hoje, a Gazeta do Povo fala do assunto, e lamenta que o básico – uma visão mais republicana do estado, prevista inclusive na Constituição – não seja a regra, e sim a exceção:
A intenção é estabelecer os primeiros critérios de mérito, salvo aqueles cujos acessos são regidos por concurso, para a definição de gestores. Nada mais republicano – no autêntico sentido da res publica –, portanto, num país que se viu vítima de terra arrasada em decorrência do desrespeito e do assalto à coisa pública, numa nação conhecida pela habilidade com que as leis servem para ser violadas. Desta forma, convém que vejamos a elogiável Lei das Estatais como um passo importante para a melhoria qualitativa e moral da governança pública.
Passo importante, mas não necessariamente o instrumento definitivo e infalível para o resgate definitivo da ordem meritocrática. Afinal, olhos ambiciosos certamente continuarão à caça das oportunidades de poder e do dinheiro farto e fácil da esfera pública, como, aliás, se tornou claro quando a Câmara dos Deputados introduziu infinidade de emendas ao projeto original do Senado e que, de tantas brechas arquitetadas, desfiguravam por completo o seu espírito. Felizmente, ao voltar à votação no Senado e à sanção presidencial, fez-se o retorno ao bom caminho, com algumas concessões que não chegaram a desvirtuá-lo.
O que é lastimável é que o país ainda precise de leis para definir o óbvio, para fazer valer o que o simples bom senso recomendaria. E ainda mais: é lamentável que ainda precisemos de uma lei para reafirmar aquilo que a Lei Maior, a Constituição, já define claramente em seu artigo 37, onde estão inscritos os princípios que devem reger a administração pública: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Eis o ponto-chave aqui: precisamos distinguir aquilo que esperamos daquilo que observamos na prática. De boas intenções o inferno está cheio, diz o ditado. O antigo CEO da IBM, autor de Who Says Elephants Can’t Dance?, dizia que acreditava naquilo que pode inspecionar (inspect), não esperar (expect). Em outras palavras: no mecanismo de incentivos.
E aqui mora o problema. Em empresas estatais, os incentivos são perversos. Não há o escrutínio dos sócios, dos donos do capital. Não há como ser mais ágil na tomada de decisões, ou agressivo nas recompensas aos eficientes e nas punições aos incompetentes. Não basta esperar que gente séria e abnegada assuma seu comando. É preciso ser realista.
Por isso mesmo o melhor caminho continua sendo a privatização. Não cabe ao estado ser empresário, banqueiro, explorador de petróleo, magnata da mídia. Não faz sentido. É perigoso. Abre caminho para uso político e ideológico, para a corrupção. O ideal é mesmo cortar o mal pela raiz: em vez de leis que tentam trazer mais transparência e meritocracia, por que não vender logo todas as estatais?
Rodrigo Constantino
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