Vejo muito do que tem acontecido nos “debates” políticos hoje, especialmente nas redes sociais, como reflexo natural de algumas circunstâncias, umas mais conjunturais e outras mais estruturais. As próprias redes sociais trazem a polarização, o tribalismo, a “coragem” dos que estão no anonimato ou atrás de um computador, e o consequente radicalismo. Por outro lado, após mais de 13 anos de PT e tanta indignação, num cenário de devastação econômica e moral, não há muito espaço para moderação e debate civilizado.
Ainda que natural, vejo com certa tristeza isso, ou ao menos seus excessos. Os debates foram substituídos por gritos de guerra, por slogans, por rótulos e por ataques pessoais. Parece que a idolatria a políticos “salvadores da Pátria” está acima de valores e princípios. Você adora Doria ou Bolsonaro? É meu inimigo ou meu aliado? E com isso quem perde somos todos nós, é a própria direita. Eis a visão de Joice Hasselmann sobre isso, lembrando que os dois grupos terão que se unir em 2018 contra o PT, provavelmente:
Esse ponto de vista seria antagônico, então, ao meu mesmo, quando critico Bolsonaro ou Doria, ou ao de Carlos Andreazza, que escreveu o mais duro ataque ao potencial candidato do PEN em sua coluna de hoje? Em parte sim. Mas vejo que a principal diferença está no horizonte temporal. Nem tudo é 2018, ainda que seja crucial derrotar o PT para impedir sua volta. Mas a vida intelectual não é um eterno segundo turno, como o próprio Andreazza já disse.
Seu texto merece respostas, não cusparadas. Merece contra-argumentos, não pedradas. A certeza de que não receberá nada disso, mas sim ataques virulentos, rótulos vazios e xingamentos, apenas reforça seus alertas. E quem está interessado na construção de um movimento de direita, numa guinada conservadora na mentalidade do povo, na quebra da hegemonia da esquerda em nossa cultura, não pode adotar visão míope que enxerga somente 2018.
Aqueles que estão mais preocupados com o futuro da direita no país podem muito bem achar que essa postura de muitos seguidores de Bolsonaro é prejudicial sim. Reparem que vários já usam o termo liberal como xingamento nas redes sociais, como sinônimo de esquerdismo, socialismo. É uma lástima! Uma burrice também, a longo prazo. Estão fazendo exatamente o que a esquerda quer. Alexandre Borges alertou para o risco disso:
O que está acontecendo nos “debates” políticos, portanto, é preocupante sim. Se direita é só apoiar cegamente Bolsonaro, se fazer críticas a ele ou cobrar explicações para supostas incoerências é ser um inimigo, e se defender o liberalismo é ser um idiota útil dos socialistas, então o universo da direita será cada vez menor, afunilando até coincidir com o próprio universo dos fãs do “mito”. E tudo aquilo que for diferente será socialismo.
Isso é um tiro no pé da direita! Entendo que muitos enxergam Bolsonaro como a única opção para 2018, contra a corja vermelha. Entendo que muitos desconfiam de João Doria, apesar de considerar a acusação de que está no PSDB fraca (ora, Bolsonaro era do “mensaleiro” PP e do PSC e agora vai para o PEN, então por que o partido de um é relevante e o do outro não?).
Mas esse cabo-de-guerra pode acabar minando o avanço do movimento cultural liberal-conservador em nosso país. Aqueles que depositaram uma fé inabalável em Bolsonaro, ignorando que a solução para nossos problemas não virá apenas em uma eleição e muito menos de um só político, estão cuspindo nos pensadores e formadores de opinião por trás de algo maior, da guerra cultural que estamos, hoje, perdendo de lavada. E a guerra cultural é ainda mais importante do que a política.
Se for Lula ou algum transgênico contra Bolsonaro para o segundo turno em 2018? O voto é Bolsonaro, claro! Se for Lula ou algum transgênico contra Doria? O voto é Doria, claro! Será que quem está demonizando um ou outro terá a mesma postura, de adotar um mínimo de pragmatismo para derrotar a extrema-esquerda? Ou será que um já virou socialista exatamente como os petistas, e o outro um fascista terrível igualmente perigoso, a ponto de esquecerem quem é o real perigo, a verdadeira ameaça?
Dito isso, faço o apelo aos mais radicais defensores de ambos, sendo que visivelmente é Bolsonaro quem tem a militância mais fanática: deixem os intelectuais liberais e conservadores em paz, pois o jogo deles é em outra quadra, em outro terreno, que não apenas o da política com “p” minúsculo, voltada para o nome A ou B nas próximas eleições.
Quem deseja construir um movimento de direita pensando lá na frente não pode reduzir isso ao nome de Fulano ou Sicrano, menos ainda concentrar todas as esperanças num político de carreira, sempre falível, incoerente, com seus próprios interesses e bandeiras passadas completamente absurdas. Forçar a barra para associar direita a Bolsonaro e nada mais, e liberal à socialismo é realmente uma estratégia extremamente estúpida para quem não pensa só em 2018.
PS: Muitos defensores de Bolsonaro gostam de compará-lo a Trump, o que é um tanto absurdo, uma vez que o republicano era claramente um “outsider” da política com grande histórico de sucesso como executivo e empreendedor. Mas mesmo com Trump houve uma parte dos conservadores americanos que ficou incomodada, e até hoje o critica de forma dura. Se a militância mais fanática pode ser útil para uma vitória pontual, a força intelectual que cobra coerência a princípios e valores, não a pessoas, é fundamental para um prazo mais longo. É o que mantém, inclusive, os políticos nos eixos. A idolatria a um homem não combina nada com o ceticismo político dos verdadeiros conservadores. Combina, isso sim, com o fascismo mesmo.
Rodrigo Constantino