Por Lucas Gandolfe, publicado no Instituto Liberal
Neste meu texto, irei descrever uma utopia para os dias atuais, mas que no Liberalismo Clássico existe. Imagine o presidente como apenas uma figura representativa, sem autoridade real, um símbolo, quase invisível para a comunidade. Ele não tem a riqueza pública à sua disposição. Ele não administra ministérios reguladores. Ele não pode nos taxar, nem mandar nossos filhos para guerras no estrangeiro, nem dar subsídios aos ricos ou aos pobres, nem indicar juízes que irão retirar nosso direito à autonomia, nem controlar um banco central que inflaciona a oferta monetária e provoca os ciclos econômicos, e nem mudar as leis autoritariamente — seja para agradar aos interesses especiais daqueles de quem ele gosta, seja para punir aqueles que o desagradam.
Sua função é simplesmente supervisionar um governo minúsculo, virtualmente sem poder, exceto para arbitrar disputas entre estados. Ele adere às rigorosas regras da lei e está sempre ciente de que, no momento em que ele cometer uma transgressão e tentar expandir seu poder, será impedido e deposto como um criminoso. Esse presidente, ainda, é um homem de caráter excepcional, bem respeitado pelas elites naturais da sociedade, uma pessoa cuja integridade é inquestionável e confiada por todos que o conhecem, uma pessoa que representa o melhor daquilo do país.
O presidente pode ser um herdeiro rico, um empresário de sucesso, um intelectual altamente preparado, ou um fazendeiro proeminente. Independente disso seus poderes são mínimos. A sua equipe é minúscula, e está quase sempre ocupada com assuntos cerimoniais, como a assinatura de proclamações e o agendamento de encontros com outros chefes de estado.
Aqueles que não votam e não querem participar da política têm sua liberdade garantida. Eles não têm direitos especiais, contudo seus direitos à individualidade, à propriedade e à autonomia nunca são postos em dúvida. Por essa razão, e por todos os propósitos práticos, eles podem se esquecer do presidente e, consequentemente, do resto do governo federal. Não faz diferença se ele existe ou não. As pessoas não pagam impostos diretamente a ele. Ele não diz às pessoas como elas devem conduzir suas vidas. Ele não as manda para guerras, não controla suas escolas, não paga suas aposentadorias, e muito menos as emprega para espionar e extorquir seus concidadãos. O governo é praticamente invisível.
A política desse país é extremamente descentralizada, mas a população é unida por uma economia que é perfeitamente livre e por um sistema de comércio que permite às pessoas associarem-se voluntariamente, inovarem, pouparem, e trabalharem baseando-se em benefícios mútuos. A economia não é controlada, estorvada ou mesmo influenciada por qualquer comando central.
As pessoas são permitidas a ficar com aquilo que ganham. A moeda que elas usam para comerciar é sólida, estável, e lastreada por ouro. Capitalistas podem abrir e fechar seus negócios à vontade. Trabalhadores são livres para aceitar qualquer trabalho que quiserem, sob qualquer salário e na idade que quiserem. Os negócios têm apenas dois objetivos: servir o consumidor e obter lucros.
Não existem controles trabalhistas, benefícios compulsórios, impostos sobre folhas de pagamento, ou outras regulamentações. Por essa razão, cada um se especializa naquilo em que é melhor, e as trocas pacíficas entre os empreendimentos voluntários causam crescentes ondas de prosperidade por todo o país.
Essa combinação de descentralização política, liberdade econômica, livre comércio, e autonomia cria, dia após dia, a mais próspera, diversa, pacífica e justa sociedade que o mundo jamais conheceu.
Seria isso uma utopia? Na verdade, nada mais é do que aquilo que está disposto na Constituição Americana. Ou seja, uma sociedade livre que não é controlada por ninguém, exceto por seus membros em suas qualidades de cidadãos, pais, trabalhadores e empreendedores.
Como vocês já devem ter percebido, esse devaneio consiste naquilo que o sistema americano foi concebido para ser em cada detalhe. Ele foi criado pela Constituição dos EUA, ou, pelo menos, pelo sistema que a vasta maioria dos americanos acreditava que teria com a Constituição americana. Esta era a mais grandiosa e mais livre república do mundo, por mais irreconhecível que isso seja hoje.
Esse era o país onde as pessoas deveriam governar a si mesmas e planejar sua própria economia, e não tê-la planejada por Washington. O presidente nunca se interessaria pelo bem-estar do povo americano porque o governo federal não teria voz nesse assunto. Isso seria deixado para as comunidades políticas populares decidirem.
Antes de a Constituição ser ratificada, havia alguns céticos chamados de antifederalistas. Eles estavam insatisfeitos com qualquer movimento que se afastasse da extrema descentralização proposta pelos artigos da Confederação. Para aplacar seus temores, e para garantir que o governo federal fosse mantido sob controle, os autores restringiram ainda mais seus poderes com a Declaração de Direitos (Bill of Rights). Essa lista não foi feita para restringir os direitos dos estados. Ela nem mesmo se aplicava a eles. Ela limitava ao máximo tudo aquilo que o governo central poderia fazer aos indivíduos e às suas comunidades.
Como Tocqueville havia observado a respeito da América, mesmo já nos idos de 1830, “em alguns países existe um poder que, mesmo que ele esteja em um grau externo ao corpo social, ainda assim é capaz de dirigi-lo e forçá-lo a se manter em uma certa conduta. Em outros, a força dominante está dividida, estando parcialmente dentro e parcialmente fora do grupo do povo. Mas nada desse tipo é observado nos EUA; lá, a sociedade governa a si própria e para si própria”. Quanto à presidência, Tocqueville escreveu que “o poder daquele ofício é temporário, limitado e subordinado” e “nenhum candidato foi ainda capaz de incitar o perigoso entusiasmo ou a simpatia passional do povo a seu favor, pela simples razão de que quando ele está na chefia do governo, ele tem pouco poder, pouca riqueza, e pouca glória para compartilhar com seus amigos; e sua influência no estado é muito pequena para que o sucesso ou a ruína de uma facção dependa de sua elevação ao poder”.
Nos séculos XVIII e XIX, o termo liberalismo geralmente se referia a uma filosofia de vida pública que afirmava o seguinte princípio: sociedades e todas as suas partes não necessitam de um controle central administrador porque as sociedades normalmente se administram através da interação voluntária de seus membros para seus benefícios mútuos. Hoje não podemos chamar de liberalismo essa filosofia porque esse termo foi apropriado por democratas totalitários. Em uma tentativa de recuperar essa filosofia ainda em nosso tempo, damos a ela um novo nome: liberalismo clássico.
Essa visão do governo e da vida pública foi destruída em nosso século e em quase todos os países do mundo. Nos dias atuais, o presidente dos EUA não é apenas extremamente poderoso, especialmente se levarmos em conta todas as agências executivas que ele controla; ele é provavelmente o homem mais poderoso do Mundo — excetuando-se, é claro, o presidente do conselho do Federal Reserve (o presidente do Banco Central).
Claro, meus comentários podem ser denunciados como antigoverno. Dizem-nos diariamente que as pessoas que são antigoverno são uma ameaça pública. Mas, como Jefferson escreveu nas Resoluções de Kentucky (Kentucky Resolutions), um governo livre é fundamentado na desconfiança, e não na confiança. “Em questões de poder, portanto, não mais deixemos que se ouça sobre confiança no homem, mas retenha-o da injúria usando as correntes da Constituição”. Ou como Madison disse no Federalist, “Todos os homens que têm poder devem ser desconfiados até um certo grau”. Podemos adicionar dizendo que qualquer governo que empregue três milhões de pessoas, a maioria delas armadas até os dentes, deve ser desconfiado até um enorme grau. Essa é uma atitude cultivada pela mente liberal-clássica, que premia e incentiva a liberdade dos indivíduos e das comunidades para controlarem suas próprias vidas.
O século XX foi o século de Rousseau. E com a ajuda das doutrinas estatistas de Marx e Keynes este foi também o mais sanguinário dos séculos da história humana. A idéia de governo que esses autores tinham era exatamente oposta à do pensamento liberal-clássico. Eles alegam que a sociedade não pode governar a si mesma, ao invés da vontade geral; os interesses do proletariado ou os planos econômicos das pessoas precisam ser organizados e incorporados na nação e naqueles que a controlam. Essa é uma visão de governo que os autores corretamente viram como despótica, e tentaram impedir que criassem raízes por aqui.
O indivíduo, a família, e a comunidade — as unidades essenciais da sociedade na era pré-estatista — não só foram reduzidos a servos federais, tendo apenas a liberdade que o governo os permite ter, como também foram obrigados a agir como parte de uma ordem nacional coletivista que está por toda parte. Nenhuma grande figura política nacional propõe mudar isso.
É óbvio que eles não obtiveram um sucesso completo. Dois séculos de guerras, crises econômicas, emendas constitucionais despropositadas, usurpações feitas pelo executivo, rendição do Congresso, e imperialismo judicial suscitaram uma forma de governo que é exatamente o contrário da imaginada pelos autores, e oposta ao liberalismo clássico.
A realidade, no entanto, é que as pessoas não estão satisfeitas com esse arranjo. Durante a Guerra Fria, o público foi persuadido a ceder uma quantidade surpreendente de sua liberdade pelo bem da missão maior de afastar o comunismo. Antes disso, foi a Segunda Guerra Mundial, e antes foi a Depressão, e antes a Primeira Guerra Mundial. Pela — e apenas — segunda vez nesse século, vivemos na ausência de qualquer crise que o governo possa usar para suprimir os direitos que os autores quiseram garantir.
Como resultado, a opinião pública hoje é esmagadoramente a favor de reduções no poder governamental. Praticamente todo político que busca vencer uma eleição promete fazer algo a respeito. Isso vale para os dois maiores partidos americanos.
Assim verifica-se que a população está buscando suscitar a idéia central da tradição intelectual liberal-clássica. O governo não tem nenhum poder ou recurso que antes não tenha tomado das pessoas. Ao contrário das empresas privadas, ele não pode produzir nada. O que quer que ele tenha, ele deve extrair da iniciativa privada. Embora isso tenha sido bem compreendido no século XVIII, bem como em grande parte do século XIX, tudo foi quase que totalmente esquecido no século do socialismo e do estatismo, do Nazismo, do Comunismo, do New Deal, do assistencialismo, e das guerras.
À medida que nos aproximamos do século XXI, quais as lições que aprendemos do século que fica? A mais importante refutação do socialismo veio de Ludwig von Mises, em 1922. Seu tratado chamado Socialismo afastou pessoas boas de doutrinas ruins, e jamais foi refutado por qualquer um dos milhares de marxistas e estatistas que o atacaram. Por causa desse livro, hoje ele é reverenciado como um profeta, mesmo por social-democratas vitalícios que passaram anos atacando e difamando-o.
A mais famosa frase de Mises, aquela que alarmou e inspirou intelectuais por todo o mundo é: “O programa do liberalismo”, se “condensado em uma única palavra, seria: propriedade.” Por propriedade, Mises se referia não apenas à propriedade privada em todos os níveis da sociedade, mas também ao controle da mesma por seus próprios proprietários.
O segundo pilar de uma sociedade liberal, Mises dizia, é a liberdade. Isso significa que as pessoas não são escravas umas das outras, e nem do governo, mas, sim, donas de si próprias, sendo livres para perseguirem livremente seus interesses, contanto que não violem os direitos de propriedade de outros. Mais importante: todos os trabalhadores são livres para trabalhar na profissão de sua escolha, estabelecendo contratos livres e voluntários com seus empregadores, ou se tornando empregadores eles próprios.
O terceiro pilar do liberalismo clássico é a paz. Isso significa que não pode haver amor à guerra, e, quando ela ocorrer, não pode ser vista como algo heróico, mas apenas como uma tragédia para todos. Ainda assim, continuamos a ouvir que guerras são boas para a economia, mesmo que elas, sempre e em todo lugar, desviem recursos, alocando-os mal e destruindo-os. Mesmo o vitorioso, Mises mostrou, perde. A guerra, disse Randolph Bourne, “é o alimento do estado”.
Esses três elementos — propriedade, liberdade, e paz — são as bases do programa liberal. Eles são o âmago de uma filosofia que pode restaurar nossa prosperidade perdida e nossa estabilidade social. Contudo, apenas comecei a arranhar a superfície do programa liberal. Ainda há muito a ser dito sobre política monetária, tratados de comércio, esquemas de seguridade social, e muito mais. No entanto, se nossa classe política pudesse entender esse núcleo de liberdade, propriedade, e paz, estaríamos muito melhores, e eu me sentiria mais confiante de que a próxima leva de novatos que mandarmos para a Presidente iria ficar de olho no prêmio, que não é a redistribuição ou a concessão de direitos especiais, mas a liberdade.
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