“É fácil ser um defensor da liberdade de expressão quando isso se aplica aos direitos daqueles com quem estamos de acordo.” (Walter Block)
Vivemos na era do “politicamente correto”, da ditadura da maioria. Tais características impõem sérios riscos à liberdade de expressão, ferramenta das mais valiosas da humanidade, que garante nosso progresso contínuo. Walter Block escreveu um livo muito polêmico, Defending the Undefendable, cujo título já deixa claro seu teor radical. Nele, o autor libertário defende até os últimos limites a liberdade de expressão, assim como todos os atos consentidos entre adultos que não envolvem uso de violência contra terceiros. Seus argumentos são extremamente provocativos, tanto que Hayek considerou sua leitura uma terapia de choque tão forte como foi para ele a leitura de Mises antes.
Block considera que os “vilões” do mercado, como prostitutas ou traficantes, na verdade são bodes expiatórios. Ele tenta mostrar no livro que tais pessoas não são culpadas de uma ação de natureza violenta, e que, apesar da idéia contrária, eles acabam beneficiando a sociedade. A proibição de suas atividades levaria a uma perda geral, e não apanas para os usuários de tais atividades. Um exemplo seria a violência e criminalidade oriundas da proibição do comércio de algumas drogas. Sua premissa básica é que seria ilegítimo iniciar a agressão contra não-agressores, contra quem não inicia o uso da violência. Se adultos responsáveis lidam com essa gente, é de forma voluntária, portanto, mutuamente benéfica. O livre mercado é amoral, ele busca satisfazer da forma mais eficiente possível a demanda dos consumidores. Esta é que pode ser imoral ou não. O governo não deveria, então, punir uma ação somente por ser imoral, contanto que esta ação não esteja ameaçando ou iniciando o uso de violência física contra outros. Não quer dizer que as ações em si são morais ou adequadas, mas somente que o governo não deveria punir com prisão seus autores.
O primeiro caso defendido por Block é o das prostitutas. A prostituição é definida como uma troca voluntária de serviços sexuais por um preço. A parte essencial da definição é o termo “voluntária”. Se a força ou a fraude não está presente, e são dois adultos responsáveis consentindo, então a troca só ocorre porque ambas as partes desejam. Muitos podem achar a profissão degradante, mas isso não lhes dá o direito de impedir a escolha da prostituta. Normalmente, o ímpeto pela proibição da “profissão mais antiga da humanidade” vem justamente de terceiros, não envolvidos na troca. Eles deveriam ser ignorados, defende Block. Se não há agressão na troca, ninguém deve se meter. É um ato voluntário entre adultos, que assim querem, pois caso contrário bastava não realizar a troca. É esta mesma linha de raciocínio que estará presente no livro inteiro do autor. O caso das drogas é um exemplo. Ninguém além do indivíduo responsável deve ter a liberdade de escolha sobre consumir ou não drogas. Qual tipo de vida alguém quer levar, mesmo que uma vida de maiores riscos e talvez menor duração, é uma decisão individual. Aqui vamos focar na parte mais amena do livro, falando apenas da questão da liberdade de expressão.
Em primeiro lugar, devemos entender que a liberdade de expressão diz que o indivíduo pode expressar suas idéias sem medo de coerção ou agressão. Ninguém é obrigado a lhe ceder os veículos de comunicação necessários. Cabe ao Estado apenas garantir sua segurança ao se expressar. Dito isso, devemos ter em mente que tal liberdade trará consigo o risco de escutarmos idéias controversas, que poderemos considerar até mesmo sórdidas. A liberdade somente existirá se as minorias forem livres para pregar suas idéias, por mais absurdas que possam parecer. Natan Sharansky, autor de The Case for Democracy, chegou a criar um método simples de se avaliar quão livre é uma nação, bastando verificar se o indivíduo pode ir em praça pública e contrariar com palavras o governo ou o consenso.
Infelizmente, muitos confundem liberdade com democracia, e ignoram que essa pode até mesmo acabar com aquela. Quando democracia não passa de uma ditadura da maioria, onde essa, mesmo que formada por 51% do povo, manda arbitrariamente no restante, não há liberdade verdadeira. Liberdade existe quando as minorias também são livres, e por isso as regras devem ser sempre válidas igualmente para todos. A fim de evitar este risco da ditadura de maiorias instáveis, os americanos criaram, logo na Primeira Emenda, o direito de liberdade de expressão, estendido a todos. Vindo em forma de pacote, as pessoas aceitam tal liberdade quase irrestrita, mesmo que tenham, com isso, que aturar as idéias opostas às suas. Em resumo, no liberalismo, até mesmo um socialista, que prega a destruição do liberalismo, pode se expressar. Já no socialismo, o liberal possivelmente acabará em um Gulag ou paredón. Eis mais uma grande distinção moral entre os dois modelos.
Tal ideal de liberdade de expressão está longe de ser nossa realidade. O patrulhamento do “politicamente correto” anula totalmente esta liberdade. O teste é quando temos que agüentar o discurso contrário ao nosso, não quando garantimos a liberdade de repetirem, como vitrolas arranhadas, o consenso. E precisamos lembrar que a regra deve ser objetiva, válida igualmente para todos. Não é difícil citar exemplos contrários a tal modelo livre. A tentativa do governo do PT de impor uma cartilha politicamente correta foi o mais assustador passo na direção da supressão da liberdade de expressão. Mas fora isso, inúmeros outros casos demonstram pouca liberdade. Por que os nazistas não podem pregar suas idéias, e os comunistas, que mataram bem mais gente, podem? Particularmente, adoraria que ninguém mais fosse tão tolo a ponto de defender qualquer um desses dois regimes assassinos. Mas não é correto usurpar a liberdade de expressão dos seus defensores. Até os néscios devem ser livres para defender suas estultices!
O caso do racismo também é sintomático. Atualmente, um sujeito pode acabar até mesmo preso por chamar outro de negro, mesmo que ele seja negro. Ora, e se for chamado de “branquelo”? Onde isso vai acabar? Ninguém mais poderá contar piadas? Muitos já defendem leis proibindo piadas com certos grupos. Em que mundo queremos viver? Num mundo onde uma cúpula de burocratas decide o que pode e o que não pode ser dito, cedendo às pressões dos grupos de interesses? Ou em um mundo onde as regras são simples e gerais, e há liberdade de expressão até o limite das ameaças de violência ou fraudes?
O relativismo moral entra também nesse conjunto que ameaça a liberdade de expressão. Como exemplo podemos citar o caso de Salman Rushdie, romancista que escreveu Versos Satânicos, e foi jurado de morte por radicais islâmicos porque teria “ofendido” Khomeini. Os relativistas logo afirmaram que o autor não respeitou as crenças islâmicas, justificando o injustificável: a ameaça de morte porque o indivíduo expressou suas idéias! O livro de Dan Brown, O Código Da Vinci, sucesso de vendas, desagradou bastante a Igreja Católica. Ora, será que vamos defender o direito do Vaticano de ameaçar o autor? Dois pesos e duas medidas, outro grande risco à liberdade. A crença religiosa de uns não justifica a supressão da liberdade de expressão dos outros, mesmo que os primeiros considerem uma blasfêmia o que é dito pelos últimos. Para um não-crente, não existe algo como a blasfêmia, e sua liberdade deve ser respeitada.
Por fim, o cerceamento da liberdade de expressão coloca em risco o nosso progresso. É simples ver isso, bastando pensar como estaria o mundo se as idéias controversas do passado tivessem sido caladas pelo “politicamente correto”, pela defesa do status quo vigente. Darwin, Einstein, Galileu, Newton e vários outros não teriam tido a oportunidade de levantar suas teorias, que ajudaram a mudar o mundo mas contrariavam o consenso da época. Como diz Walter Block, “é imperativo que os inimigos da liberdade de expressão sejam vistos exatamente como são: oponentes do progresso da civilização”.
Pelo bem da humanidade, deve-se abraçar essa idéia com força. Com a exceção de ameaças ou fraudes, os indivíduos devem ser livres para falar aquilo que quiserem, não importa o quanto incomode ou choque a visão do consenso. Pode-se considerar um perfeito idiota o sujeito que acha tudo o que é consenso completamente idiota. Mas nesse mundo com liberdade de expressão, todos poderão expor suas idéias. No mundo sem tal liberdade, os que discordam da maioria estariam perdidos…
Texto presente em “Uma luz na escuridão”, minha coletânea de resenhas de 2008.
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