O escritor britânico Ian McEwan tem dedicado alguns livros, como seu mais recente A balada de Adam Henry, ao tema do obscurantismo religioso. Em artigo publicado hoje na Folha, o escritor adota com coragem a defesa da liberdade de expressão e afirma que o Islã ainda não passou por seu iluminismo, e que por isso ainda flerta com o totalitarismo.
As religiões não são seu alvo, e sim a tentativa de monopólio de uma seita, algo que historicamente foi mais comum do que gostaríamos. Mesmo o cristianismo teve suas fases autoritárias ou totalitárias, apesar de nascer como uma religião minoritária perseguida. Hoje, é claramente o Islã que necessita dessa “era das luzes”, como justifica o autor:
O islã –do Paquistão à Arábia Saudita e outros países do Golfo Pérsico, da Indonésia e da Turquia ao Egito– vive sua versão própria de um momento totalitário. Diariamente lemos sobre casos de tortura, prisão e execução de muçulmanos que desejam deixar o islã ou discuti-lo.
No Paquistão, políticos usam as leis de blasfêmia como armas letais. Uma professora está presa no Egito há três anos por ter falado a seus alunos sobre outras religiões. Em todo o Oriente Médio, o cristianismo e o zoroastrismo estão sendo expulsos dos lugares onde nasceram. Na Turquia, a liberdade de imprensa está sob ataque cerrado por parte de conservadores religiosos.
Regimes árabes autoritários utilizam a sharia, a lei islâmica, como meio de reprimir a oposição política. Os grupos radicais Boko Haram e Estado Islâmico representam uma intensificação do que é praticado em certos Estados.
Alguns “pais fundadores” dos Estados Unidos compreendiam que era preciso “diluir” a religião na sociedade para evitar esse risco de totalitarismo religioso. Ou seja, quanto mais seitas, melhor. A livre concorrência faria com que nenhuma religião tivesse o domínio absoluto sobre as consciências e almas dos cidadãos.
E foi justamente essa liberdade religiosa que garantiu o direito de cada um à sua religião. A tolerância religiosa dos estados laicos no Ocidente moderno se deve à existência de várias religiões convivendo lado a lado. Em Israel, por exemplo, eu saí da Igreja da Anunciação em Nazaré sob o som dos sinos, para imediatamente escutar o chamado das mesquitas ao lado. E isso, não custa lembrar, numa nação judaica.
Já na Arábia Saudita, como lembra McEwan, quem importar uma Bíblia pode ser punido com a morte, e não existem igrejas ou sinagogas. “A livre expressão não é inimiga da religião, é sua protetora. Graças à sua existência há mesquitas às dezenas em Paris, Londres e Nova York”, diz o escritor. Quando somos obrigados a aturar críticas ou “blasfêmias” sobre nossa fé, preservamos o nosso direito de criticar ou “blasfemar” a crença alheia também, o que é fundamental para a liberdade.
Seitas totalitárias não admitem isso. O Islã, infelizmente, ainda tem uma grande ala radical que precisa ser “domesticada”. Poucos têm coragem de falar isso de forma tão aberta.
Rodrigo Constantino
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