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O presidente Bolsonaro quer estimular o patriotismo nesse mês de setembro, e convocou a população a usar o verde e o amarelo nesse dia 7. O patriotismo é um dos valores caros ao bolsonarismo, mas pode gerar muita confusão, misturando-se com o conceito do nacionalismo, este nada louvável. O mesmo tipo de confusão que ocorre nos Estados Unidos com Trump, que já se declarou um nacionalista, sendo que a maioria republicana é patriota, o que é diferente.

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Bolsonaro está ciente dos riscos ao convocar o povo, e ele mesmo lembrou do outro presidente que foi por esse caminho – e acabou muito mal. Collor queria apoio ao seu governo, e percebendo o truque nacionalista, muitos se vestiram de preto na época. Já há estudantes tentando repetir a façanha dessa vez, buscando copiar os “caras pintadas”. Se vai dar certo ou não é outra história.

Mas incomoda o uso político que governantes fazem do sentimento nobre do patriotismo. É uma mistura entre governo e estado, típica do populismo latino-americano. Se a intenção do presidente fosse somente fomentar o patriotismo, em baixa em nosso país, isso seria digno de aplausos. Mas se o intuito for se utilizar desse sentimento para defender seu governo, aí seria algo totalmente condenável.

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Sobre as diferenças entre patriotismo legítimo e nacionalismo coletivista, resgato um texto meu de 2010 publicado no GLOBO, justamente em ocasião da comemoração do 7 de setembro:

“O nacionalismo é uma doença infantil; é o sarampo da humanidade.” (Albert Einstein)

No dia de hoje, nada melhor do que fazer algumas reflexões acerca dos rumos do nosso país. O amor à Pátria é um sentimento de união de indivíduos que compartilham uma história, uma cultura e valores comuns. Ele difere bastante do nacionalismo vulgar, uma forma de coletivismo xenófobo que transforma os indivíduos em simples meios sacrificáveis. Foi o patriotismo que alimentou a Revolução Americana; foi o nacionalismo exacerbado que levou ao nazismo.

Não podemos falar de patriotismo sem citar nosso Patriarca da Independência. Sob a influência iluminista, José Bonifácio de Andrada e Silva abraçou os principais pilares da filosofia liberal, compreendendo que a riqueza das nações é produzida pela concorrência e liberdade de empreender, e não pela tutela estatal. O comércio, livre da opressão de minuciosos regulamentos, seria o responsável pela prosperidade da nação.

Ele foi uma das vozes mais importantes contra os abusos de poder da Coroa portuguesa e a escravidão. O Brasil era cada vez mais explorado como colônia. A independência era crucial. Andrada compreendia o que estava em jogo: “Sem liberdade individual não pode haver civilização nem sólida riqueza; não pode haver moralidade e justiça; e sem essas filhas do céu, não há nem pode haver brio, força e poder entre as nações”.

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O Brasil deveria ser um país de cidadãos livres, não de escravos. Infelizmente, deixamos de ser súditos de Portugal, mas nos tornamos súditos de Brasília. O governo central foi concentrando cada vez mais poder à custa da liberdade individual, e o dirigismo estatal poucas vezes esteve tão forte.

Neste contexto, o presidente da Fiesp chegou a afirmar que gostaria de “fechar o país”. Isto remete ao que há de mais retrógrado no pensamento econômico. O mercantilismo beneficia poucos empresários próximos ao governo, enquanto prejudica todos os consumidores e pagadores de impostos. Fala-se em “interesse nacional” para ocultar a simples busca por privilégios e monopólios. Na nefasta aliança entre governo e grandes empresários, o povo acaba pagando a conta. Basta lembrar a absurda Lei da Informática para ter idéia do pesado custo imposto aos brasileiros por estas teorias ultrapassadas.

O patriotismo pode ser uma arma poderosa contra a tirania. Unidos por um ideal comum de liberdade, os cidadãos representam uma constante barreira às ameaças despóticas. Se mal calibrado, porém, ele pode dar vida ao nacionalismo coletivista, que serve justamente aos interesses dos oportunistas de plantão sedentos por poder. O “orgulho nacional” deve se sustentar em conquistas legítimas, não em fantasias tolas. O verdadeiro patriota não foge da realidade. Sob a luz da razão, devemos perguntar: qual o motivo para sentir orgulho de nossa trajetória enquanto nação?

Somos recordistas mundiais em homicídios. Nossas estradas federais são assassinas. O transporte público é caótico. A saúde e a educação públicas são vergonhosas. A impunidade e a morosidade são as marcas registradas de nossa Justiça. A corrupção se alastra feito um câncer. A cultura do “jeitinho” tomou conta do país e a ética foi parar no lixo. Nossas instituições republicanas estão ameaçadas. Nossa democracia é vítima do descaso e do escancarado uso da máquina estatal para a compra de votos. O Estado, capturado por um partido, pratica crimes contra o cidadão, como a quebra de sigilo fiscal da Receita. E ainda somos obrigados a trabalhar cinco meses do ano somente para pagar impostos!

Regado a crédito facilitado e com o auxílio dos ventos externos favoráveis, o consumo crescente atua como um poderoso anestésico contra esta dura realidade. O velho “pão & circo” também faz sua parte. Será que devemos celebrar um time de futebol temido mundo afora, enquanto a miséria domina o país? Será que devemos ter orgulho do “nosso” petróleo, quando pagamos um dos combustíveis mais caros do mundo e vemos a Petrobrás ser estuprada pelos donos do poder?

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A transformação do patriotismo em nacionalismo está em seu auge quando o povo adere ao infantilismo e passa a encarar seu governante como uma figura paterna. Não se trata do respeito por um estadista, mas de uma forma de idolatria ao “pai do povo”, que não pretende governar, mas sim “cuidar” de sua prole ao lado da “mãe do povo”. É a demagogia em máximo grau. Quando se chega a este estágio decadente, a Pátria já não tem muito de que se orgulhar. É chegada a hora de uma nova independência. Desta vez de Brasília.