Acompanhava um debate interessante outro dia no “Morning Show”, da Jovem Pan, em que apenas Caio Coppolla defendia uma visão mais universal dos homens, sem cair na tentação do tribalismo. Os demais presentes insistiam na narrativa do “lugar de fala”, expressão da moda que atende aos interesses dos grupos de minorias. Mas será que esse “lugar de fala” é mesmo tão relevante? Será que nossa origem social é determinante para nossas ideias?
Que nossas experiências pessoais são relevantes para a forma como pensamos hoje, isso parece inegável. Mas não é o que diz a tese do “lugar de fala”. Seguindo uma ótica coletivista, inserida no contexto da política de identidades, o que se quer dizer com isso é que alguma característica específica nossa define nossa mentalidade. Ou seja, haveria o “pensamento de classe”, ou “pensamento de raça”, ou “pensamento de gênero”.
Da mesma forma que a esquerda “progressista” atual pegou o marxismo e o extrapolou para outros quesitos coletivistas além da classe, o “lugar de fala” não passa de uma reedição da teoria marxista de que o proletário pensa de um jeito e o capitalista de outro, sem qualquer condição de intercâmbio. A classe definiria a ideologia, segundo Marx. Ironicamente, um sujeito intelectual que jamais pisou numa fábrica e era sustentado por um capitalista chegou a essa conclusão…
Mas e se o proletário não defende o socialismo? E se o herdeiro capitalista financia movimentos socialistas? Ambas as coisas ocorrem, e com certa frequência. Seriam impossíveis pela tese marxista. Como justificar a contradição? Ora, basta alegar que o proletário liberal é um “traidor”. É exatamente como fazem os “progressistas” hoje perante os indivíduos que não atendem a essa tese do “lugar de fala”.
O sujeito é negro, gay e de origem pobre? Só pode ser um esquerdista defensor de cotas raciais, vítima de opressores, certo? Mas e se for um liberal, como o vereador Fernando Holiday, do MBL? Aí complica. Aí o seu “lugar de fala” não importa mais, pois ele é um “capitãozinho do mato”, como disse o destemperado Ciro Gomes – um branco de origem coronelista, mas socialista. Percebem como esse papo de “lugar de fala” só serve quando é para proteger esquerdistas?
Ou aceitamos que somos todos indivíduos, com várias características distintas e nenhuma determinante, com nossas próprias experiências pessoais e trajetória única, e que nada disso determina a forma como pensamos, até porque temos a razão universal, ou então vamos aderir a um tribalismo irracional que trata o outro como inimigo, incapaz de nos compreender, e faremos isso de forma seletiva, incoerente e hipócrita, pois é impossível ser coerente com tal tese.
“O relativismo cultural e a doutrina do contexto fechado constituem sérios obstáculos à disposição de aprender com os outros”, disse o filósofo Karl Popper em O mito do contexto. Para Popper, uma das componentes do irracionalismo moderno é o relativismo, entendido como a doutrina segundo a qual a verdade é relativa à nossa formação intelectual. Em outras palavras, a verdade mudaria de contexto para contexto, o que impossibilitaria um entendimento mútuo entre culturas, gerações ou períodos históricos diferentes.
Eis a frase que define esse “mito do contexto”, segundo Popper: “A existência de uma discussão racional e produtiva é impossível, a menos que os participantes partilhem um contexto comum de pressupostos básicos ou, pelo menos, tenham acordado em semelhante contexto em vista da discussão”. Para Popper, esta afirmação é não apenas falsa, mas também perigosa. Se acolhida de forma generalizada, pode inclusive contribuir para o aumento da violência, minando a unidade da humanidade.
Sem dúvida uma discussão entre participantes que não compartilham do mesmo contexto pode ser difícil, mas é um exagero afirmar que é impossível ter um debate proveitoso sem esta premissa. Popper vai além, e acredita que um debate entre pessoas com várias idéias em comum pode ser bastante agradável, mas talvez não seja tão proveitoso quanto um debate entre pessoas com pontos de vista totalmente divergentes.
O economista austríaco Ludwig von Mises também condenou esse relativismo, que chamou de “polilogismo”, como se a lógica não fosse universal, mas sim dependente da origem de cada um. É essa a premissa falsa de quem repete o tal “lugar de fala”. A mulher não entende necessariamente mais sobre aborto porque é ela que engravida: seu “lugar de fala” nada diz sobre o feto ser humano ou não, o que é algo mais objetivo. O “lugar de fala” é filhote de um subjetivismo exacerbado da era moderna, que coloca sentimentos acima da razão. É herdeiro direto do irracionalismo gestado pela Escola de Frankfurt.
Se cada um tem o seu “lugar de fala”, e se devemos “respeitar” que sua razão é diferente da nossa, possivelmente superior, só porque ele vem de origem distinta, então acabou qualquer possibilidade de diálogo, de consenso. Toda a civilização ocidental é calcada em premissa contrária: a de que, apesar de nossas várias diferenças, podemos convergir por meio da razão, de argumentos lógicos e de fatos objetivos.
Rodrigo Constantino
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