Não sei se o leitor é pescador, mas quem pesca sabe: quando uma moreia é fisgada no anzol, é um Deus nos acuda. A bicha vai se enroscando cada vez mais na tentativa de escapar, e se o pescador deixar a vara presa e for fazer outra coisa qualquer, quando voltar haverá um emaranhado de linha misturada com o peixe murenídeo, que mais parece uma cobra. Lula é uma moreia.
Não estou demonstrando ignorância biológica ao confundir o molusco com o peixe. Falo, claro, de nosso ex-presidente, que deu uma entrevista ao SBT ontem para tentar justificar o injustificável. Não tinha como não se enrolar todo. Defender o legado do PT e ainda tocar no assunto corrupção ao mesmo tempo é algo impossível, a menos que a cara seja realmente de pau maciço. Vejam o que Lula disse sobre o mensalão, por exemplo:
A minha tese é de que, possivelmente, esse tenha sido o processo que tenha sido julgado com a maior pressão de determinados setores dos meios de comunicação da história da humanidade. Nunca as pessoas envolvidas num processo foram condenadas com tanta antecedência. Não estou julgando os ministros e não vou julgá-los, mesmo que uma decisão ou outra não me agrade. Não é meu papel julgar a Suprema Corte. Agora, o que temos que fazer é recontar essa história. As penas desses companheiros já foram dadas. O que esses companheiros agora precisam conquistar é o direito de andar de cabeça erguida nas ruas desse país.
A “tese” de Lula já mudou muito com o tempo e a ocasião. Já foi a tese de traição, sem que ele jamais citasse quem era o Judas. Já foi a tese de que aquilo nunca existiu, e que ele iria dedicar sua “aposentadoria” para provar isso (não deu). Agora é a tese de que houve muita pressão da imprensa. Ah, a imprensa, sempre ela a culpada!
Nunca foram condenados com tanta antecedência, diz Lula. Foram “apenas” sete anos de espera, e a coisa só andou por conta da determinação de certo ministro, aquele de tez mais morena que vive sendo alvo do ódio petista. Não fosse Joaquim Barbosa para fazer a diferença e teríamos mais um caso de julgamento se arrastando ad infinitum.
Mas vejam bem! Lula não vai “julgar os ministros” (como se tivesse estatura e poder para tanto). Ele é muito benevolente. Ele quer apenas “recontar essa história”. Tudo pela narrativa. Pergunte se Lula se sente ainda traído por algum companheiro. Nada disso. Ele quer apenas que esses companheiros conquistem “o direito de andar de cabeça erguida nas ruas desse país”.
Já os milhões de brasileiros querem apenas que os criminosos cumpram suas penas como todos os criminosos, sem regalias (Dirceu já conseguiu mais uma agora que saiu Barbosa e entrou Barroso no processo). Os milhões de brasileiros não chamam os criminosos de “companheiros”. Aliás, diga-me com quem andas que te direi quem és…
Sobre as vaias e os xingamentos que Dilma sofreu na abertura da Copa, Lula tentou amenizar o ataque às “elites brancas”, que não pegou nada bem. O ministro Gilberto Carvalho já havia dado novo tom ao perceber que o tiro saíra pela culatra. Agora foi a vez de Lula, mas novamente se enrolando feito uma moreia:
As pessoas mais humildes, as pessoas que trabalham neste país, não têm a cultura de ofender as autoridades. Aqueles palavrões me cheirou a coisa organizada, o preconceito, a raiva demonstrada, possivelmente a gente tenha culpa de não ter cuidado disso com carinho. O PT não pode fazer uma campanha sem discutir o tema da corrupção, não podemos fazer como avestruz e enfiar a cabeça na areia e falar que este tema não podemos debater.
Em primeiro lugar, o preconceito não vai embora: quer dizer que para Lula só as pessoas mais “humildes”, isto é, pobres em sua concepção, é que trabalham neste país? Lula está afirmando que a classe média e alta é formada por vagabundos? Lula acha que rico não trabalha? Nem todos são petistas ou vivem de esmolas estatais, Lula! Vamos parar com esse discurso ridículo e ofensivo aos trabalhadores brasileiros de todas as classes sociais!
Dito isso, e sem retirar a “tese” de vaia orquestrada, Lula admite que há parcela de culpa do PT por “não ter cuidado disso com carinho”. Sim, é uma mensagem cifrada, estranha, obscura, mas é um claro indício de que a pura vitimização não colou e Lula sabe disso. A narrativa de vítima tem algum apelo, mas não é suficiente para ganhar eleição.
Aliás, gostaria de ser um mosquito para ver a reação dos “jornalistas” chapas-brancas lendo isso, depois que endossaram com veemência a “tese” da culpa absoluta da tal “elite branca”. O próprio Lula e o ministro Gilbertinho assumem que o PT é culpado! A turma da ESPN, “emissora estadunidense” (como ironiza Reinaldo Azevedo), virá soltar alguma nota de arrependimento? Juca Kfouri? José Trajano?
Voltemos à corrupção, que parece infindável quando se trata do PT. Lula afirma que os petistas não podem fazer como um avestruz e enfiar a cabeça na areia. É bicho demais, eu sei, mas vamos lá: o que o PT vai fazer então? O que significa isso? Que vai discutir os escândalos todos de corrupção que vieram à tona nos últimos 12 anos?
Que piada! Não faria outra coisa da vida, e sabemos que um petista nunca assume de verdade seus erros ou “malfeitos”. O que Lula pretende é culpar o “sistema”, ou seja, jogar a responsabilidade para o modelo político e debater “reformas” para resolver o problema. Falar da Petrobras transformada em “padaria” cujo caixa vaza bilhões por todo lado? Isso o PT vai fazer no dia de São Nunca!
Por fim, Lula volta a falar de economia, outro tema indefensável para o PT. Após criticar a equipe de Dilma, eis o que ele diz agora:
Tivemos uma crise econômica mundial. Se compararmos o Brasil de 2013, de 2014 com o de 2010, a gente estava crescendo a 7,5% e estamos crescendo a 2%. Não temos que comparar com 2010. Tem que comparar com 2002, como a gente pegou o país porque o processo é o projeto de construção que está em vigor neste país.
Que piada! Ele quer comparar o quadro medíocre de hoje com 2002, o ano em que o “risco Lula” afetou profundamente nossa economia e o mercado financeiro, justamente porque o PT era o favorito para chegar ao poder. Já 2010 foi um ponto totalmente fora da curva, pois o governo abriu as comportas dos estímulos para eleger Dilma, e foi isso justamente que colaborou para produzir o quadro de inflação hoje existente.
A economia deve ser avaliada como uma tendência sim, não pontualmente, e sempre comparada com o cenário mundial. O fato inegável é que o PT pegou a era de ventos externos mais favoráveis das últimas décadas. Os países emergentes todos cresceram bastante, muito mais do que o Brasil na média. Na América Latina mesmo, para não falar da Ásia que seria covardia, temos os países mais responsáveis, como Chile, Colômbia e Peru, crescendo bem mais do que a gente e com inflação bem menor.
Tentar retirar a responsabilidade do governo desse resultado econômico patético é algo que só um petista teria a cara de pau de fazer. A estagflação é 100% “made in Brazil”, é produto caseiro, fermentado pelo próprio governo. Seria menos constrangedor se Lula fizesse como um avestruz e simplesmente escondesse a cabeça na areia, em vez de fazer como uma moreia e se enrolar todo na linha…
Rodrigo Constantino
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