Por Lucas Berlanza, publicado pelo Instituto Liberal
Reuniu-se no sábado (22) o Parlamento cubano para discutir o projeto de uma nova Constituição. Decerto, a ilha caribenha, que já não tem mais um Castro oficialmente na presidência, deseja transparecer aos vizinhos um ar inédito de “modernidade democrática”.
Alguns – espera-se que poucos – deslumbrados com o sonho delirante da paradisíaca ilha comunista deverão receber a notícia com ares de triunfalismo. “Vejam só, Cuba é uma nação próspera e democrática, também sabe melhorar e se transformar!”. No entanto, um olhar minimamente atento e honesto desvela o engodo.
O projeto de Constituição que os “parlamentares” cubanos aprovaram e que ainda será submetido a referendo é o perfeito caso de uma mudança feita para não mudar absolutamente nada, como gostava de dizer um amigo que já nos deixou. Mais do que isso: seus termos pressupõem uma incrível mágica para conciliar conceitos e premissas que estabelecem entre si um dantesco paradoxo. A Constituição cubana a ser avaliada em 2019 estabelece que o sim e o não, o bem e o mal, a água e o óleo, podem estar juntos e serem ambos a mesma coisa.
Senão vejamos… Supostamente a Constituição reconhecerá a propriedade privada e o enriquecimento individual. É claro: com limites! Esses princípios estranhos ao nobre sistema comunista não podem ser colocados à testa da locomotiva nacional, por mais que até Lênin tenha sido forçado a adotar a Nova Política Econômica na União Soviética. No entanto, vejam só, o país continua adotando o comunismo como ideologia oficial e a economia seguirá planificada. Quando o socialismo pleno se revela impossível, qual o resultado? O fascismo, naturalmente, ou pelo menos qualquer coisa similar a ele, do ponto de vista econômico.
Haverá, em sendo a Constituição aprovada, a criação do cargo de primeiro-ministro para chefiar o governo, como nos sistemas parlamentaristas, e o mandato do presidente da República – ou do ditador que até então recebia esse apelido simpático – será limitado a cinco anos, com direito a apenas uma reeleição. O presidente também precisará ter a idade máxima de 60 anos. A Constituição ainda garantirá a prerrogativa de reclamar de violações de direitos constitucionais por parte do governo, de habeas corpuse presunção de inocência em processos criminais, estabelecerá o Estado laico e ainda proibirá a discriminação de homossexuais.
Tudo muito bonito, supostamente com a intenção de ampliar os direitos do indivíduo e seu poder de decisão, bem como limitar os poderes do governo cubano. Animador, não parece? Pois bem; dois dispositivos não seriam alterados pela nova Constituição. Um deles é o de que o presidente e o primeiro-ministro, as duas principais autoridades do país no novo regime, seriam eleitos indiretamente, pela Assembleia Nacional. À primeira vista, eleições indiretas não significam ditadura ou fragilidade democrática. Afinal, os parlamentares – ou os “delegados”, no caso das eleições indiretas americanas – são produto de escolha popular. O Executivo escolhido por eles ainda é um efeito secundário da expressão da vontade do eleitorado.
Isso, naturalmente, se estivermos falando de uma democracia com diferentes partidos, em que diferentes concepções ideológicas disputam em igualdade de condições, não um sistema fabricado por uma oligarquia para dominar todas as esferas do poder, submetidas a uma mesma máquina sob seu absoluto controle. Eis no que a Constituição cubana não toca. Ela preserva o regime de partido único! Isso porque o Partido Comunista é a “vanguarda organizada da nação cubana, sustentado em seu caráter democrático e a permanente vinculação com o povo – é a força política (…) dirigente superior da sociedade e do Estado”.
Então ficamos assim: o povo elege os deputados, todos do Partido Comunista, para que estes elejam o presidente e o primeiro-ministro. É muito interessante que estes dois últimos tenham mandatos limitados – na pior das hipóteses, o presidente será trocado em, digamos, dez anos, o que, comparado ao tempo em que Fidel Castro ocupou o cargo… -, mas os dois serão igualmente comunistas escolhidos pelos parlamentares comunistas entre os quais o povo terá que escolher os comunistas mais simpáticos para representá-lo. Quanta pujança democrática! Tocqueville deveria estar vivo para estudar a democracia cubana em vez da dos Estados Unidos! Isso sim é um exemplo de tolerância e pluralidade!
Ah, mas que atitude ranzinza! Tem mais, pessoal. A Constituição cubana admitirá a liberdade de imprensa! Os leitores poderiam perguntar a este escriba mal-humorado: não é isso um avanço incrível? Não é a liberdade de imprensa uma ferramenta fundamental para que as denúncias de violações de direitos tenham repercussão, para que os governos sejam fiscalizados? Apesar de o partido comunista seguir dominando todos os postos, não será possível pelo menos, com uma imprensa livre e vibrante, alardear seus malfeitos e provocar a retirada de maus governantes?
Pois é, meu caro Watson, infelizmente a liberdade de imprensa é um princípio abstrato que depende de condições materiais para se concretizar, como quase todos os demais do gênero. No seu caso, a condição prioritária para que essa liberdade exista é o direito de possuir meios de comunicação privados, que desafiem uns aos outros e possam veicular diferentes pontos de vista ou informações que outros não transmitam.
Que fará a Constituição cubana, se aprovada? Estabelecerá ainda que “em nenhum caso os meios fundamentais de comunicação serão objeto da propriedade privada”. Precisa dizer algo mais? Liberdade de imprensa para inglês ver! Os cubanos estarão sob uma Constituição explicitamente orwelliana, para a qual liberdade é sinônimo de escravidão. Há liberdade, mas a de assistir aos meios de comunicação mantidos pelo Partido Comunista. Há rotação do poder, mas nas mãos do mesmo partido, que comanda tudo. Há o direito de denunciar, mas todas as forças políticas estão concentradas nas mãos dos dirigentes comunistas, e isso sufoca e intimida qualquer oposição genuína. Há alguma liberdade oficializada de fazer negócios, mas a economia é planificada e o Estado permanece o principal agente econômico.
Sinto muito, cubanos. Em 2019, aprovada ou não a nova Constituição, Cuba continuará sendo o que é: uma ditadura.