Por Ricardo Bordin, publicado pelo Instituto Liberal
É natural que todo profissional procure continuamente demonstrar a essencialidade do trabalho que desempenha, seja para a empresa em que labora, seja para seus clientes, a fim de manter viva no inconsciente coletivo a impressão de que vale a pena investir em seus serviços.
O problema é quando se trata de legisladores governamentais: no afã de demonstrarem a relevância de sua atividade na resolução de conflitos entre os indivíduos, acabam eles mirando em problemas que sequer existem ou, pior ainda, gerando infortúnios onde não havia. E não passa um dia sem que eles aprontem uma presepada do gênero: desta feita, um deputado federal resolveu mobilizar seus vinte e cinco assessores para elaborar um projeto de lei que visa banir o estepe de uso temporário em veículos automotivos:
Usado pelas montadoras em todo o mundo, o estepe temporário pode ser vetado no Brasil. Um projeto de lei do deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS) passou pela primeira comissão na Câmara dos Deputados, e torna obrigatório a todos os veículos comercializados no país – nacionais ou importados – o estepe do mesmo tamanho dos outros quatro pneus.
Caso vire lei, a montadora que descumprir terá que indenizar o proprietário do veículo em 30 dias com 10% do valor do veículo.
Os estepes temporários são mais finos e só podem ser utilizados em velocidade limitada de 80 km/h. Ao optar por este tipo de pneu, os fabricantes conseguem liberar espaço no porta-malas e, sobretudo, reduzir o peso do veículo.
A versão menor também causa menos danos ao meio ambiente (por usar menos material) e por ser mais leve, facilita a troca para pessoas mais frágeis em uma emergência.
Porém, o deputado Fábio Mitidieri (PSD-SE) não enxerga desta maneira. “O uso do estepe temporário pode trazer riscos elevados para os condutores e passageiros desses veículos”, diz o texto de Mitidieri. Esse trecho tramitará anexado ao projeto.
Na prática, o estepe temporário tem uso, como o próprio nome esclarece, restrito. Serve para que o veículo possa se locomover até o destino dos ocupantes. Ou até um local adequado para o reparo definitivo.
Pois é: sabem quando um liberal afirma que o mercado consegue atender a toda e qualquer demanda dos consumidores e algum esquerdista solta galhofas com ar pedante em resposta? Então: todos sabemos que a sensação de impunidade e o desarmamento da população civil elevou os índices de criminalidade no Brasil a níveis esquizofrênicos; dentre os delitos praticados, tornou-se mais comum do que andar para frente ter o estepe do carro roubado.
E o que fazem empresas privadas como Honda, Chevrolet e Ford em busca de reduzir o prejuízo sofrido pelos donos de automóveis e, assim, conquistar sua fidelidade? Sim: eles criam uma modalidade de pneu reserva de baixo custo, bem mais fino, que ainda economiza espaço no porta-malas, reduz o “peso morto” (o que melhora o consumo de combustível), diminui o gasto quando da reposição e, claro, mitiga o risco de roubo.
Ainda que mais frágil que o pneu comum, este tipo de estepe, quando utilizado apenas para completar uma jornada ou alcançar um local para reparo definitivo, em nada prejudica a segurança do tráfego – como comprova a experiência em outros países.
Ah, mas daí os brasileiros, malandros como são, vão dar um jeito de utilizar mais de um estepe de uso temporário no mesmo carro, pondo em risco os demais usuários das estradas, certo? Pode até ser, dado o fato de que muito raramente um condutor que causa um acidente de trânsito fatal responde por homicídio doloso – uma falha imperdoável do sistema penal que incentiva este tipo de atitude ilícita.
Só que andar com os pneus do veículo carecas é expressamente proibido pelo código brasileiro de trânsito, não é? E ainda assim muitos motoristas circulam nas rodovias rodando sobre artefatos de borracha que mais parecem câmaras de bicicleta – muito por conta do estado lastimável do asfalto sob responsabilidade estatal e do elevado preço dos pneus no país (em função dos motivos de sempre: tributação desmesurada, baixa produtividade nacional, etc). Alguns mais “criativos” até mesmo alugam pneus novos para serem submetidos às inspeções do Detran.
Ou seja, proibir a produção e comercialização de estepes de uso temporário só irá estimular os cidadãos a seguirem empregando pneus velhos como estepe (como eu faço, por exemplo), o que precariza ainda mais a segurança nas estradas.
Obrigado por nada, deputado!
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