Não esperem de mim mais um texto condenando o “consumismo” no Natal e pregando o resgate do “espírito natalino”. Para isso temos Leonardo Boff ou Frei Betto, que publicou ontem mesmo um artigo nessa linha no GLOBO. Não tenho inclinação para o populismo demagógico desse tipo:
Por que o imperativo de dar presentes no Natal? A central única dos consumidores deveria decretar uma greve geral ao consumo. Em plena época de Natal. Não se compraria mais do que em outros meses do ano. E, em vez de presentes, daríamos carinho, atenção, alegria, apoio, solidariedade. Os pais levariam os filhos aos hospitais para doarem, no valor dos presentes, algo indispensável aos doentes mais pobres. A família ofertaria uma cesta básica a outra carente. Seriam presenteados os sofredores de rua, os presos, os loucos, os que se tratam de dependências químicas, os portadores do vírus da Aids e os que vivem sem terra, sem teto e sem pão. Trocar-se-ia Papai Noel pelo Menino Jesus, o shopping pela igreja, a mercadoria pela compaixão. Aquecidos pela fé, celebraríamos assim uma verdadeira festa, aquela que, no dia seguinte, não deixa ressacas de farturas, faturas e fissuras, mas enche o coração de júbilo.
Será que o garoto de rua prefere mesmo um abraço do Frei Betto a um casaco novo ou um brinquedo que sonha ter, mas não pode comprar? Será que a dona de casa e mãe de 5 crianças prefere o sorriso do Frei Betto a um microondas que poderia ajudar a preparar a comida da turma? Será que a empregada doméstica prefere o apoio de Frei Betto a um aparelho de ar condicionado para tornar o verão mais suportável?
Tampouco esperem de mim um saudosismo exagerado que idealiza um passado inexistente, onde tudo era tão diferente e muito melhor. Para isso temos o artigo de hoje no GLOBO de Tasso Azevedo, que diz coisas assim:
O Natal nas ultimas décadas passou de momento de celebração em família do nascimento de um personagem ímpar para ser a data mais importante do comércio, quase a salvação da lavoura em anos mais difíceis.
Nada mais paradoxal do que o Natal ter se tornado quase que o símbolo da pujança da sociedade de consumo. Aquele momento de reunião com a família acabou virando uma estressante corrida por presentes com aquela lista de quase obrigações.
Sempre gostei mais dos momentos pós-troca ansiosa de presentes no Natal, quando todos os primos se embrenhavam numa partida sem fim de War, ouvir as histórias do vovô Leôncio, que eu nem conheci, ou acompanhar atento o tio Paulo, quando já estava para lá de Bagdá, narrar a abertura 1812 de Tchaikovsky como se fosse um filme. Hoje a diversão é app no smartphone…
Para ser sincero, acho que tanto Frei Betto como Tasso Azevedo falam meias verdades. O problema é que se pode contar mentiras com meias verdades. Ou exagerar na dose e concluir algo distante das premissas parcialmente verdadeiras.
Não faz parte do meu ideal de Natal, por exemplo, abandonar os momentos inesquecíveis em família para ir na prisão ou no hospício ajudar desconhecidos, como “gostaria” Frei Betto. Ou então ficar jogando um interminável War com primos depois da troca de presentes, como recorda com saudades Tasso Azevedo.
Não sou religioso, mas sempre dei valor ao Natal. Expliquei aqui os motivos ontem. Valorizo a família. A minha família, que fique claro, não a “grande família” chamada Humanidade, como sugere Frei Betto. A esquerda ama essa abstração Humanidade; o problema é com os próximos de carne e osso…
Dito isso, não podemos deixar o monopólio dos fins nobres com a esquerda. Atacar o “consumismo” e a compra de presentes, ou o foco comercial do Natal, eu deixo com a esquerda. Mas combater os excessos disso, ou valorizar o outro lado mais “espiritual”, isso não é exclusividade da esquerda, nem aqui, nem na China!
Para começo de conversa: crianças adoram ganhar presentes! E não há mal algum, desde que não seja só isso, ou em quantidade tão grande que desvalorize o próprio ato de presentea-las. É que a lei de oferta e demanda também funciona no Natal. O diamante tem alto valor pelo efeito escassez, enquanto a água, apesar de fundamental, tem baixo valor pela abundância.
O que me remete ao meu saudosismo particular: lembro-me como se fosse hoje quando ganhei o Falcon (somente para maiores de 30 anos) de presente de Natal quando era moleque. Foi surpresa, acordei no dia 25 de dezembro e lá estava ele, embaixo da minha cama.
Mas notem que era um importante e desejado presente. Não eram 20 presentes! Hoje, reconheço que os pais e tios perderam a linha e passaram do ponto. Exageraram na dose. É informação demais, presente em abundância. Minha sobrinha, com apenas 3 anos, disse ao receber um presente ontem: “Mais um? Mas eu já ganhei coisa demais”. Repito: 3 anos.
Isso, sim, merece nossa reflexão! Será que estamos exagerando? Será que estamos tentando compensar alguma coisa? Talvez. Provavelmente. Ainda assim, faço uma ressalva, para não bancar a esquerda caviar que tanto condeno: é mais fácil criticar os excessos quando se tem o básico. Duvido que um menino pobre ache ruim receber 20 ou 30 presentes!
Sou favorável ao tal “espírito natalino”. Para cada um isso significará uma coisa. No meu caso, não é abraçar o mendigo da rua, visitar o Dirceu na Papuda ou levar um presente no manicômio para um doido estranho (algo me diz que não foi o que Frei Betto efetivamente fez ontem – à exceção, talvez, de visitar Dirceu na prisão). Também não é ficar jogando War a noite toda.
É passar momentos agradáveis com a minha família, ver as crianças se divertindo, brincando e sim, ganhando alguns presentes desejados que fazem a diferença. Tudo isso regado ao néctar de Baco, pois o vinho sim, é algo sagrado para mim.
Feliz Natal!