É importante não confundir barulho nas redes sociais com votos nas urnas, mas é inegável que o advento da internet vem mudando as eleições. Obama mesmo se utilizou bastante dessa militância virtual, e Manuel Castells fez análises interessantes sobre o impacto dessas redes em movimentos revolucionários. Depois do Twitter e do Facebook, tempo de televisão não é mais tão determinante assim para o resultado de uma eleição.
Em sua coluna de hoje, Merval Pereira trata desse assunto, questionando o que fará a diferença em 2018: a máquina partidária ou a revolta popular com a classe política, alimentada pelas redes sociais? Essa dúvida seria ainda mais relevante do que a participação ou não de Lula na disputa, segundo o colunista. Merval diz:
O que ninguém sabe é o que prevalecerá, se as máquinas partidárias e suas conseqüências, como alianças partidárias e tempo de propaganda eleitoral, ou a repulsa, cada vez mais sentida, do cidadão comum aos partidos e políticos tradicionais, e a busca de um novo perfil de candidatos.
[…]
O único candidato bem posicionado nas pesquisas que parece não ligar para as estruturas formais é Jair Bolsonaro, que nem mesmo partido tem. Lula já prometeu “perdoar os golpistas” para abrir espaço para alianças regionais com políticos com projetos de poder apartidários, com homogeneidade moral semelhante a Renan Calheiros e congêneres.
[…]
Todo esse raciocínio, no entanto, não leva em consideração o desgaste dos partidos políticos diante da opinião pública. Há candidaturas isoladas que acreditam na efetividade da repulsa do eleitorado aos partidos tradicionais, como Marina Silva, que deve se candidatar pela Rede com a base de cerca de 20 milhões de votos nas duas últimas eleições presidenciais. Há também o Partido Novo, que quer radicalizar na novidade, não aceitando o fundo partidário e não fazendo coligações. Seu candidato, o economista João Amoedo, joga na desconfiança do eleitorado da política tradicional para se distinguir dos concorrentes.
Quando se fala em máquina partidária, não devemos pensar “apenas” em fundo partidário e tempo de TV, mas em cabos eleitorais. A força de um PMDB, por exemplo, vem daí, e em linguagem mais clara, muitas vezes isso significa compra de votos. Ou seja, candidatos que usam grupos de interesse para prometer privilégios se eleitos, e contam com um exército disposto a atuar nesse sentido.
A alternativa para a máquina partidária é a ideologia, a militância voluntária. Historicamente, o PT sempre teve ambos: os cabos eleitorais, em especial sindicatos de olho em tetas estatais, e a ideologia, a reverência a Lula como um ícone, um símbolo da “revolução”. O PMDB sempre focou mais na máquina, demonstrando força pelos grotões.
Quem não tem cão caça como gato. O Partido Novo, por exemplo, decidiu abrir mão voluntariamente do fundo partidário, e conta com a adesão voluntária de indivíduos empolgados com sua mensagem contra o establishment. Há um espaço crescente para um “outsider”, já que o cansaço com a classe política é evidente. Será isso suficiente, porém? Ninguém sabe.
Já Bolsonaro é um caso atípico, pois não tem máquina alguma, sequer um partido ainda, mas conta com uma militância forte, em muitos casos até fanática. Como alguém que conheceu bem a postura dos ditos “bolsominions”, posso atestar o grau de fé da turma: só vimos algo semelhante com o próprio Lula no passado. É um pessoal que precisa endeusar o “mito”, e se você não estiver 100% com ele, então é um inimigo mortal.
Como analista independente, faço críticas e elogios, e percebo nitidamente isso. Quando passo a elogiar mais, porque vejo mais acertos (como, por exemplo, com a escolha de Adolfo Sachsida para ajudar na formatação econômica e, agora, com Paulo Guedes como o ministro da Fazenda dos sonhos), sou mais “respeitado”, mas não sem certa desconfiança de muitos. Eles confundem análise com torcida, e acham que meu papel deveria ser o de cheerleader bajulador, não o de um pensador livre. Não sou “leal”, portanto. Se passo a criticar mais, viro automaticamente um traidor comunista.
Mas é fácil criticar essa turma toda e associar essa base mais aguerrida ao candidato em si, para descartá-lo como inadequado. Mais difícil, contudo, é apresentar uma alternativa para quem não possui a tal máquina partidária. Ou seja, como pode um candidato agir para derrotar uma máquina tão poderosa sem o controle dessa máquina?
Liberais “puros” (ingênuos?) querem crer que só com boas ideias será possível vencer, apresentando projetos racionais, propostas decentes, mostrando a luz. Doce ilusão! No mundo real não funciona assim, e a prova virá pela quantidade de votos do Novo vis-à-vis a de Bolsonaro.
Parece evidente que o Novo tem seduzido uma elite pensante, mais liberal, que entende melhor o que deve ser feito. Bolsonaro, por outro lado, captura melhor o sentimento geral da população, e sabe mobilizar as massas com emoções, mais na linha do como chegar lá. Ele tem, em outras palavras, soldados prontos para o combate, num jogo que não se resume a uma disputa puramente racional.
Jeb Bush tinha a seu favor nas primárias republicanas a máquina partidária, muitos recursos, mas foi um dos primeiros derrotados por Trump, a máquina personalista que falava às emoções dos eleitores. Trump foi eleito. Um alerta sobre os limites da máquina partidária, do dinheiro (sua concorrente democrata gastou bem mais do que sua campanha), especialmente no mundo da era digital.
Algo parecido poderá ocorrer no Brasil? Saberemos no ano que vem…
Rodrigo Constantino
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