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Por Lucas Berlanza, publicado pelo Instituto Liberal

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O historiador Marco Antônio Villa tem feito um desserviço ao debate público e aos ouvintes da Jovem Pan, com seu tratamento profundamente mal-educado dos pré-candidatos à presidência. Pressionar e suscitar perguntas incômodas e desafiadoras não precisa significar agir como uma fera desgovernada a distribuir coices gratuitos.

A favor de Villa, pode-se dizer que ele tem agido assim com praticamente todos os candidatos. Se já tinha tentado provocar um “bate-boca” com Bolsonaro na mesma rádio, incorrendo em algumas contradições, o historiador agora teve o desplante “antijornalístico” de, entrevistando Álvaro Dias, do Podemos, já começar dizendo que ele não teria a menor chance de se eleger – uma falta de educação biltre não apenas com o político paranaense, mas com os ouvintes que porventura desejem votar nele.

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Queremos chamar a atenção, porém, para o seu comportamento na sabatina de João Amoêdo, do Partido Novo. Em primeiro lugar, Villa quis atacar a plataforma liberal de Amoêdo citando a presença do Estado em empreendimentos no Brasil que não foram tocados pela iniciativa privada, e dizendo que o capitalista brasileiro “queria investimento de curta duração e altas taxas de lucro e não queria investir naquilo que significa investimento de longa maturação e taxa de lucro baixa”, o que seria “tradição da economia brasileira”.

Amoêdo respondeu que “inclusive nessa área de infraestrutura, como você tem uma incerteza muito grande no futuro da economia brasileira, você não consegue precificar quanto vale esse investimento”. Longe de nós aureolar nossos grandes empresários, em boa medida responsáveis pela realidade atual, mas não há dúvida de que, num país com tantas regulações, tanta presença do Estado na economia e, ao longo do século XX, tantas instabilidades políticas e institucionais, cumpre dar valor à assertiva do candidato do NOVO.

O engenheiro inverteu então, questionando se devemos deixar nossas empresas nas mãos de políticos, apostando no Estado-empresário, tudo que nos trouxe até esta situação. Villa rebateu: “por que não por técnicos?”. O historiador parece ecoar a frágil fé na tecnocracia que acomete certas mentalidades na elite pensante brasileira. Não entende, como corretamente Amoêdo responde, que os políticos têm poucas motivações para colocar técnicos, porque os lucros não estão diretamente implicados em seus objetivos. A falta de resistência à demissão de Pedro Parente na Petrobrás e a lamentável reorientação do governo Temer diante da greve dos caminhoneiros são provas disso.

O ponto mais interessante, porém, veio depois. Acompanhemos os comentários de Villa, quando perguntou sobre política externa, que agora nos interessam mais que as respostas de Amoêdo:

“Antigamente, cinquenta anos atrás, quarenta, as pessoas tinham muita preocupação em discutir o Brasil e elaborar um projeto para o Brasil. (…) Há muito se pensava em um Brasil potência durante certa época, durante o regime militar. Agora, muitos, o atual governo não tem política externa, o anterior tinha uma política pré-queda do muro. (…) Um projeto nacional tem contradições. Por exemplo, o Brasil tem contradições com os Estados Unidos. Nós não podemos estar no mesmo barco que os EUA, porque historicamente nós temos problemas. Nós não podemos ficar de joelhos. Eu sei porque há uma elite brasileira que adora os EUA, tudo lá é melhor, na verdade são macacos, não pensam. Para eles não existe ‘nação’… (…) Eles habitam o Brasil, eles não são brasileiros, são traidores da pátria. (…) Durante o regime militar, tínhamos a política do Azeredo da Silveira, ‘o interesse nacional acima de tudo’. Agora, no seu governo, vamos ficar de joelhos para EUA, China, Europa, ou o Brasil vai cantar de galo? (…) Tem empresário brasileiro que transfere as suas indústrias para lá (Paraguai) sendo traidor. Porque empresário nacionalista não transfere, finca suas empresas no Brasil. Porque (pensar na) tributação é ele pensar nele, não no país. (…) Capitalista não tem pátria, tem bolso.”.

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Vamos principiar pela nossa concordância. Todos que acompanham nossos artigos sabem de nossa crença na “nação” e na importância do patriotismo. Não acreditamos, em matéria de política, no mero racionalismo abstrato. A comunidade política é também estruturada sobre laços de coesão simbólica e emocional, existe uma bagagem de anos e séculos de formações e interações que forjam uma cultura e uma identidade. O liberalismo tem todos os méritos por enaltecer os direitos e prerrogativas do “indivíduo”, mas o “indivíduo” como uma entidade abstrata e totalmente desvinculada de seu meio e das forças culturais e históricas que sobre ele se exercem simplesmente inexiste.

Assim como Villa, também concordo que precisamos renovar as elites, com pessoas mais preparadas, mais interessadas e que valorizem o país em que vivem, queiram fazê-lo crescer. Não cremos, como certos liberais e principalmente libertários, na nulidade e na irrelevância desse aspecto. O sentimento patriótico é a conformação moderna de laços que, no passado, integraram populações; já o defendemos noutras oportunidades e não convém repisar todos os argumentos.

Porém, a “nação” não é e não precisa ser um conceito econômico – vale dizer, anticapitalista. O “interesse nacional” não deve significar “interesse dos burocratas do Estado brasileiro”. “Nação” não é, sequer, sinônimo de “Estado”; quando se fala em “Estado-nação”, tal como defendido por pensadores como Roger Scruton, o “Estado” é apenas um dos elementos associados à nacionalidade – elemento que admitimos, já que pessoalmente não abraçamos o anarquismo -, mas que não deve ser superestimado. A verdadeira “nação” somos todos nós, os brasileiros, os indivíduos que perfazem esse povo, dividem suas conquistas e frustrações e constroem seus destinos.

Essa vinculação só pode ser realmente positiva e alicerçada se for livremente introduzida. Apoiamos todo tipo de iniciativa cultural e intelectual que valorize o Brasil, como as recentes produções cinematográficas que vêm resgatando personalidades de valor de nossa história, capazes de inspirar nossa imaginação moral. Nada disso depende de uma intervenção troglodita nas leis econômicas.

O verdadeiro “interesse nacional” é o de que todos os nossos compatriotas possam ter segurança, moeda equilibrada, contatos enriquecedores com o resto do mundo, prosperidade e todos os motivos para estarem felizes vivendo onde vivem. Desfilar como “grande potência”, como quer Villa, enquanto nossas estatais são mantidas com o erário do Tesouro, convivemos com intranquilidade profunda e sessenta mil homicídios por ano, e até a independência dos poderes da República corre riscos, é o cúmulo do absurdo. Não teremos solidez nessa imagem que o historiador deseja estampar se não fizermos a faxina interna tão necessária.

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O caminho para isso, seguramente, não é dar uma de Mussolini e obrigar empresários a esquecerem seus próprios interesses e manterem empresas no Brasil “em nome do interesse do Estado” (?). É adotarmos a razoabilidade, privatizarmos, cortarmos na carne da máquina pública e reduzirmos os impostos e regulações que atravancam a economia e impedem o crescimento. Não é brincar de “pragmatismo responsável do governo Geisel” só para provocar os Estados Unidos, quando precisamos reforçar nossos laços com o Ocidente e o mundo livre e urgentemente deixar de ser um dos países mais fechados do mundo.

É, acima de tudo, reduzir os abismos criados pelos privilégios estatais, que têm sido, desde a formação de nosso Estado patrimonial, os principais entraves para a maior organicidade do entusiasmo e da afeição do brasileiro com seu próprio país. Quanto mais tivermos motivos para celebrar o presente, hoje tão escassos, aí sim mais poderemos dizer que o interesse dos brasileiros está sendo atendido. A China e a Rússia, por exemplo, podem posar de grandes potências para a comunidade internacional, enquanto se mantém reféns de ditaduras. Nós brasileiros não queremos isso. Brasil grande e forte, sim; mas com liberdade, inclusive a econômica.