O tribalismo é mesmo o grande mal do Brasil, e isso vale da esquerda à direita. Tudo se resume ao estilo adotado naquela que é a maior paixão nacional: o futebol. Temos apenas torcidas, não indivíduos com pensamento independente. Temos um eterno Fla x Flu, e se você não torce, digo, se não é um torcedor fanático do meu time, então só pode ser um adversário, um inimigo mortal, que precisa ser eliminado do mapa.
Como já disse, até entendo que numa guerra essa postura tenha sua utilidade. Mas transformar a política num campo de batalha constante, numa questão de vida ou morte a cada segundo, significa matar a política, destruir a democracia, que vive de concessões e contemporizações, da aceitação do imperfeito.
E pior: viver como se cada dia fosse um segundo turno é muito raso, limitado, e quem age assim ignora totalmente a função de um pensador ou formador de opinião, que não pode ser confundida com a de um agitador de massas em eterna campanha partidária.
Karl Kraus resumiu bem o papel do agitador, que não pode jamais ser o do analista: “O segredo do agitador consiste em parecer tão idiota quanto seus ouvintes, de modo que eles acreditem ser tão inteligentes quanto ele”. Não tenho a pretensão de me transformar nisso, e deixo o papel de bom grado aos ambiciosos políticos.
Mas estou aqui para denunciar a mentalidade binária reinante em nosso país, e que julgo tão nefasta para o bom debate ideológico e político. É por isso que não me deixo intimidar por aqueles que, de olho apenas em votos, bancam os agitadores, e tentam jogar na fogueira dos inimigos quem simplesmente faz análise independente.
Como meus leitores sabem, passei a criticar mais a família Bolsonaro, e ao contrário das acusações pérfidas, não tem cálculo político algum nisso, muito menos interesses obscuros ou pecuniários. Deve-se principalmente ao que um deles, o deputado Eduardo Bolsonaro, fez com o até então aliado, meu amigo Alexandre Borges. E não é lealdade apenas ao amigo, mas aos meus princípios.
Foi outro amigo comum, Flavio Quintela, quem apontou primeiro o cerne da questão, até então ignorado: Bolsonaro usou seu tempo de servidor público, seu poder e influência, para perseguir um cidadão comum, um indivíduo. E isso é absurdo e inaceitável. Mas não foi só: a difamação em si foi tosca: Eduardo pegou uma simples foto do perfil pessoal de Borges, manipulou a imagem acrescentando um livro de Lucas Berlanza sobre o fenômeno da “nova direita”, e tudo isso para atacar Dória e colocar o pai como único representante da direita no Brasil.
Sim, esse episódio, por si só, já seria suficiente para um “rompimento” com Bolsonaro, sendo que nunca fui aliado dele (sou, repito, um analista independente, que às vezes elogia, e às vezes critica). Mas a coisa não parou por aí: o que veio em seguida foi um alerta de como o grau de fanatismo e radicalismo dessa ala da direita chegou a patamares assustadores. A reação de muitos seguidores de Bolsonaro expôs seu caráter fascistoide, seu extremismo, sua intransigência, e a disposição para adotar qualquer meio desde que atinja o fim: defender o “mito” de olho em 2018.
Esse comportamento já era conhecido, e eu cansei de criticar seguidores de Bolsonaro ou o próprio com base nisso, no passado. Basta pesquisar no blog para ver que não é algo novo. O que é novidade é a proporção da coisa, e o teor do ódio, do fanatismo, da agressividade. Em vez de os Bolsonaros tentarem mitigar o problema, eles preferem jogar lenha na fogueira. O próprio Eduardo fez uma “live” não para pedir desculpas ao Borges, mas para reforçar seu alerta contra a “direita doriana” (sendo que ninguém diz que Dória é de direita). Jair Bolsonaro, que até então estava calado, veio a público elogiar o filho:
E o irmão Carlos resolveu, agora, partir para o ataque direto a mim, demonstrando exatamente a tal mente binária:
O grau de desonestidade dessa colocação é digno de um petista. Quer dizer, então, que quem tece críticas aos equívocos dos Bolsonaros e não endeusa o “mito” se torna automaticamente um defensor do PSOL? Agora eu sou do mesmo “time” de Jean Wyllys? Seria uma insinuação homofóbica de que sou gay?
O ridículo da afirmação é tanto que nem merecia resposta, ou então merecia apenas um “vai dar a bunda”, ao estilo Diogo Mainardi. Mas como é sintomático do clima de radicalismo fomentado pela própria família, com a honrosa exceção de Flavio (que é até alvo do ataque dos seguidores mais malucos do pai justamente por ser um “bundão”, ou seja, uma pessoa mais sensata e ponderada), então vejo esse texto como necessário sim.
É necessário para mostrar que essa postura é contraproducente, e para defender a liberdade de expressão dos analistas, que jamais podem se intimidar com a patrulha partidária. Carlos acha mesmo que estou quase a defender o PSOL ou Jean Wyllys, aquele que é alvo de infindáveis ataques no meu blog? Se eu não repetir “amém” para seu pai, então eu só posso ser um socialista? E se eu encontrar elogios para fazer ao prefeito Dória, como já fiz vários ao próprio Jair Bolsonaro, então isso quer dizer que sou um “doriana”, um “socialista Fabiano” infiltrado para desinformar leitores e seguir a “estratégia das tesouras”?
Reparem que me calar diante desse ataque indecente seria um ato de covardia, e covarde eu não sou. Não tenho medo de petista, de sindicalista, de MST, de Boulos, de tucano, e não vai ser de capitão ou de deputado de direita que terei medo agora. Meu compromisso é com a verdade e com a defesa da liberdade, não com um “messias” qualquer. O patamar de imbecilidade dessa narrativa tosca e fanática é tão impressionante que já tem um monte de seguidores de Bolsonaro, como este abaixo, concluindo que o PSDB é realmente pior do que o próprio PT, e que Dória seria pior do que Lula:
Como levar a sério isso? Como não levantar a voz na defesa do bom senso? Criticar o PSDB é comigo mesmo. Uma rápida busca no blog vai oferecer inúmeros casos. A pusilanimidade tucana, seu viés esquerdista, tudo isso é atacado por mim desde sempre. Mas daí a dizer que tudo e todos são iguais, e que o Dória chega a ser pior até do que Lula, isso já é palhaçada. E é música para os ouvidos petistas. Plano Real, privatizações, Lei de Responsabilidade Fiscal, autonomia do Banco Central: essas foram conquistas tucanas. Destruição total do Brasil: esse é o legado petista. Indiferença entre ambos?
Mas os seguidores fanáticos do Messias não querem saber de nada disso, de nuanças, de região cinzenta: eles enxergaram a Verdade, e ela aponta somente para Bolsonaro. E qualquer um que ousar criticá-lo será transformado em inimigo mortal, em… um socialista! Mesmo quando se trata da turma liberal ou conservadora que vem combatendo o PT e mesmo o PSDB há anos. Mesmo quando é preciso detonar os principais formadores de opinião da direita no Brasil, como andam fazendo:
Fico muito orgulhoso de estar em tão boa companhia. Mas a difamação não pode parar, a metralhadora giratória precisa alvejar cada um daqueles ícones da direita que não repetirem que só existe Bolsonaro entre o céu e a Terra. Não há meio termo: ou adere à tribo e se sujeita ao comando do pajé, ou vai ser tratado dessa forma:
Trata-se da mulher de Flavio Morgenstern, que escreveu um excelente texto ensinando o que vem a ser “socialismo Fabiano”, expressão que a turma mais repete sem ter a mais vaga ideia do que se trata. E meus leitores ainda perguntam por que eu resolvi “atacar” Bolsonaro e a ala radical da direita? A resposta não é óbvia? Eu não passei a criticá-los hoje. Eu faço isso desde sempre. Mas muitos saíram da toca com um tacape na mão, fazendo “uga-uga”, e dispostos a destruir qualquer um que não se ajoelhar perante o capitão. E isso precisa ser combatido, em nome da liberdade.
Essa mentalidade binária é nociva para o futuro da nação e precisa ser condenada. E se os seguidores de Bolsonaro não querem acreditar em mim, talvez devesse ler o que Olavo de Carvalho já disse sobre isso, ele que costuma ser tão idolatrado por esse pessoal:
Eu não tenho apenas dois neurônios. E tampouco escrevo para aqueles que têm.
Rodrigo Constantino
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