Certa vez vi na PUC uma palestra do economista Paulo Guedes, que viria a ser meu chefe depois, na qual ele elogiava a coragem de Gustavo Franco, então presidente do Banco Central, ao elevar a taxa de juros, mas criticava duramente a falta de apoio do governo no lado fiscal.
Lembro bem da metáfora que usou: Franco era nosso Napoleão, e tinha dominado o território russo com os juros nas alturas. Agora era a vez da cavalaria chegar em retaguarda, ou seja, o momento das reformas fiscais. Não veio a ajuda. Napoleão se viu isolado, sob o rigoroso inverno russo. Perdemos a guerra.
Lembrei dessa metáfora de guerra ao ler o artigo de Maílson da Nóbrega e Felipe Salto na Folha hoje. Eles também citam um corajoso combatente, no caso Winston Churchill, para frisar a importância da determinação no combate ao descontrole das contas públicas. Dizem:
Os gastos federais (sem contar os juros) encerraram 2015 em R$ 1,2 trilhão. O crescimento sobre 2014 foi de quase um ponto percentual acima da inflação.
Nos últimos quatro mandatos presidenciais, as médias anuais de crescimento real da despesa foram: 3,3% (FHC-II); 7,5% (Lula-I); 9,4% (Lula-II) e 3,8% (Dilma-I).
Como se vê, Lula mais do que dobrou a variação das despesas. Em seu segundo mandato, imprimiu ao gasto federal taxa ainda maior, que só se sustentou por causa do transitório crescimento econômico, fruto do aumento dos preços de commodities.
Nada foi feito para reduzir o grau de rigidez do orçamento no período das vacas gordas. Ao contrário, os compromissos do governo só cresceram. Receitas temporárias se transformaram em gastos permanentes.
Nossa dívida pública poderá chegar a 100% do PIB em breve, patamar insustentável para um país emergente. Tentar impor um teto para os gastos públicos é bem-vindo, mas medida insuficiente e que ainda precisa ser aprovada. Os gastos são indexados demais, a folha salarial compromete boa parte do ajuste, pois o governo concede aumentos enquanto o investimento só cai.
Sem reformas estruturais a coisa não anda. Os autores concluem: “Sem medidas duras, não sairemos do fundo do poço. O governo precisa deixar claro seu compromisso inarredável com o ajuste. ‘Jamais ceder, exceto a convicções de honra e bom senso’ era o lema de Winston Churchill. Que seja esse o compromisso de Michel Temer”.
No mesmo jornal, o ex-diretor do BC Alexandre Schwartsman vai na mesma linha, e argumenta que sem o auxílio fiscal, o combate à inflação não será sustentável. Diz ele:
Em outras palavras, a queda das expectativas de inflação não resultou de palavreado, mas de perspectivas de uma política monetária mais apertada do que originalmente se imaginava.
Adicionalmente o Banco Central estabeleceu condições para que possa iniciar a redução da taxa de juros. Por um lado a convergência das expectativas de inflação à meta, que, como notado, vem ocorrendo; por outro, firmeza do governo no lado do controle do gasto público, que, ao contrário, não dá sinais de materialização.
Trata-se, ao final das contas, de postura diametralmente oposta à adotada pela antiga diretoria e, portanto, seria razoável esperar também resultados diametralmente opostos àquele atingidos nos últimos anos. No caso, minha expectativa coincide com a visão geral (não é sempre assim!), isto é, inflação em queda, ainda que mais lenta do originalmente imaginado. Assim, caso o BC jogue duro, pode até chegar próximo à meta no ano que vem.
Contudo (e há sempre uma conjunção adversativa), há obstáculos consideráveis à manutenção da inflação baixa. Há limites claros àquilo que pode ser obtido apenas com juros. Sem uma ação mais decidida na contenção do gasto público o BC só terá êxito temporário. Neste quesito, infelizmente, ainda vivemos de muito palavreado e pouca ação.
É isso. Nosso Napoleão, uma vez mais, cercou o inimigo com seu instrumento monetário. Mas resta combinar com a artilharia pesada. Se essa não chegar em seu apoio, a luta estará perdida. Só venceremos a guerra contra a inflação no dia em que aceitarmos que a batalha é fiscal. E de vida ou morte!
Enquanto isso, teremos mesmo de usar uma bazuca para matar uma formiga resistente: o efeito colateral será terrível. Não adiante, depois, culpar os “banqueiros” e os “rentistas” pelos problemas causados pelo descontrole das finanças públicas…
Rodrigo Constantino