O presidente Jair Bolsonaro indicou que pode apoiar a proposta de flexibilizar o teto de gastos, que é a regra que proíbe que as despesas cresçam em ritmo superior à inflação. Ele afirmou que a questão é “matemática”, mas não deixou claro o que pretende fazer efetivamente. Como o Estadão/Broadcast antecipou, a mudança na regra é defendida pela Casa Civil e pelo comando das Forças Armadas.
“Eu vou ter que cortar a luz de todos os quartéis do Brasil, por exemplo, se nada for feito”, disse o presidente ao ser questionado se o governo vai tomar alguma iniciativa para mudar o teto de gastos. Ele falou com a imprensa na saída do Palácio da Alvorada, nesta quarta-feira, 4.
Bolsonaro relembrou, ainda, que dentro do Orçamento há despesas obrigatórias, como o pagamento com salários, aposentadorias e pensões, e que elas “estão subindo”. “Acho que daqui a dois ou três anos vai zerar as despesas discricionárias (gastos de custeio e investimentos). É isso? Isso é uma questão de matemática, nem preciso responder para você, isso é matemática”, reagiu ao ser indagado por um jornalista se vai apoiar algum tipo de flexibilização do teto, criado no governo do ex-presidente Michel Temer. Uma revisão do teto está prevista para 2026, mas há quem defenda que o governo antecipe essa discussão.
O presidente, infelizmente, tem um ponto: há mesmo mais de 90% das despesas que são obrigatórias. Logo, um mandamento manda gastar, o outro manda limitar o gasto. E a conta não fecha! Daí a extrema necessidade urgente de reformas como a previdenciária, para conter a sangria fiscal. Mas, até lá, o que fazer?
Economistas sérios, como Fabio Giambiagi, chegaram a sugerir a flexibilização do teto, mas não agora. O problema é que sempre que a situação aperta, a solução encontrada é aumentar o teto em vez de cortar os gastos. Por mais complicado que seja reduzir os gastos, pois depende de reformas e PECs, a saída não pode ser afrouxar os freios à expansão contínua do estado.
Em vez de discutir a flexibilização do teto dos gastos, o governo deveria focar em medidas que reduzam as despesas estruturais, como regras que vinculam gastos à inflação, na análise da economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif. “Abrir esse precedente (mexer no teto) é o equivalente ao sujeito que é viciado e fala: ‘só mais um traguinho’”, diz Zeina. Para ela, uma mudança no teto só pode ser feita após a estabilização da dívida em relação ao Produto Interno Bruto (PIB).
Zeina está certa. É a opinião de Alexandre Schwarstman também. Em texto publicado na InfoMoney, o ex-diretor do Banco Central condenou a opção mais fácil, pelo atalho da flexibilização do teto. Ele comparou isso com a Caixa de Pandora, que abre brecha para todos os males se espalharem:
A reconciliação dos opostos só pode ocorrer quando um dos mandamentos for relaxado: ou mudanças no teto de gastos, ou reformas que alterem a dinâmica dos gastos obrigatórios. Fabio Giambiagi e Guilherme Tinoco, economistas acima de qualquer suspeita, defenderam recentemente alterações no teto (sem, para ser justo, descuidar da necessidade de reformas).
Defendem que a inconsistência eventualmente tornará o teto de gastos insustentável, levando a seu abandono e propõem seu relaxamento para evitar um resultado ainda pior, qual seja, o abandono do teto e consequente aprofundamento da crise fiscal, cujas consequências, desconfiamos, nos levariam de volta à situação de 2015-16.
Embora a proposta seja, do ponto de vista técnico, bem formulada e mais do que defensável (envelhecer é uma droga, mas considere a alternativa…), os riscos políticos de rediscutirmos o teto de gastos são gigantescos, pois ninguém garante que desta discussão resultará o que foi proposto pelo Fábio e pelo Guilherme.
As contas públicas brasileiras, não só do governo federal, mas de estados e municípios, não chegaram ao estado lastimável em que se encontram por azar, muito menos por falta de diagnóstico.
[…]
O teto explicitou para o mundo político aquilo que economistas chamam de restrição orçamentária, mas que só se torna aparente quando o caminho fácil do endividamento adicional é de alguma forma obstruído, mesmo que parcialmente. Tentamos isto de várias formas no passado: criamos a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), as dívidas estaduais e municipais foram renegociadas em troca da imposição de regras de disciplina fiscal (e, supostamente nenhuma outra renegociação poderia ocorrer, por força da LRF); mais recentemente novas rodadas de renegociação impuseram novas medidas de austeridade.
Precisamos admitir que nada disto funcionou. Se alterarmos a regra do teto de gastos apenas adicionaremos mais uma tentativa à extensa lista de leis que fracassaram em conter a voracidade fiscal do estado brasileiro. Pode ser até que adotemos a proposta de do Fabio e do Guilherme, até que novos problemas levem ao afrouxamento adicional, como sempre aconteceu. A verdade é que não há saída que não passe pela reforma profunda do nosso regime fiscal: todo resto é perfumaria.
Quando abrimos a caixa de Pandora, a tendência é que de lá saiam todos os males, deixando no fundo dela apenas a esperança.
Estou totalmente de acordo. Entendo a angústia de governos que precisam lidar com essa situação esquizofrênica, em que as regras mandam gastar mais, mas limitam os gastos ao mesmo tempo, sob risco de punição. A solução, porém, não pode ser dar as “pedaladas” fiscais de Dilma, tampouco subir o teto, que existe justamente como camisa-de-força para o “viciado” não se injetar mais droga. Tem que enfrentar a crise de abstinência mesmo. Tem que cortar na carne!
Rodrigo Constantino
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