O ministro Paulo Guedes resgatou aquela velha máxima que Roberto Campos repetia, de que quem nunca foi socialista na juventude não tem coração, e quem ainda é na idade adulta não tem cérebro. Foi em uma versão um pouco diferente. Guedes acusou esquerdistas de terem o miolo mole, mas reconheceu que costumam ter bom coração. Sobrou para direitistas, porém, a acusação de que o coração desses já não seria tão bom assim.
Entendo o ponto do ministro, mas considero um erro esse tipo de narrativa, ainda que em tom mais jocoso. Considero o principal problema da esquerda hoje justamente o monopólio da virtude. O típico esquerdista parte da premissa de que ele e seus companheiros são do bem, enquanto quem discorda de sua visão de mundo só pode ser maligno, pervertido, preconceituoso. Essa é uma postura não só arrogante e infantil, como terrível para a democracia, pois gera uma segregação que impede qualquer aproximação e acordo.
Se você assume que o outro lado é ruim e tem intenções cruéis, então como chegar a um meio-termo? Como negociar com nazistas? Os eleitores de Trump se tornam, assim, um bando de alienados, na melhor das hipóteses, ou deploráveis, na opinião mais corriqueira. A esquerda desaprendeu a debater com base em argumentos e lógica, exatamente por se enxergar como detentora de uma superioridade moral só por ser esquerda. O sujeito defende certas bandeiras estatizantes na economia e libertinas nos costumes e já se sente a alma mais bondosa do planeta, sem precisar efetivamente fazer qualquer coisa para tanto.
Mas o que se observa, na prática, é que as medidas esquerdistas nunca ajudam os mais pobres ou as minorias. Ao contrário: tendem a beneficiar uma elite branca já poderosa. O esquerdismo gosta muito da pobreza e da vitimização, mas não necessariamente dos pobres e das vítimas. E como negar que tais efeitos são visíveis e conhecidos? Quem hoje defende o regime venezuelano pode alegar ignorância? Quem prega aborto indiscriminado de bebês já formados no ventre pode mesmo se considerar uma nobre alma? É possível justificar posturas tão nefastas com base no miolo mole?
Nos EUA, a estrela democrata da vez, Alexandria Ocasio-Cortez, apresentou seu projeto Green New Deal. Trata-se de uma peça ridícula e autoritária, uma mistura de utopia ginasial com Stalin. Não obstante, vários senadores do seu partido endossaram o troço e quase nenhum jornalista cobrou explicações. Quando tinham que falar das metas impossíveis, como acabar com todos os aviões em uma década, repetiam apenas que o importante era o sonho, chamando a atenção para o problema. Ou seja, apenas emoções. E isso vinga exatamente por ser aceito que a esquerda tem bom coração. Tem mesmo? Ou só miolo mole?
Artigo originalmente publicado pela revista IstoÉ