Recebi hoje, do nosso amigo comum Luiz Jardim, a triste notícia do falecimento de Meira Penna, aos cem anos de idade. O embaixador José Osvaldo de Meira Penna foi, sem dúvida alguma, um dos grandes expoentes do liberalismo no Brasil, ao lado de Roberto Campos. Tendo ingressado na carreira diplomática em 1938, na qual permaneceu até 1981, foi capaz de conhecer in loco diversas experiências políticas e econômicas mundo afora, o que lhe permitiu uma análise bastante profunda do tema.
Seu grande valor como liberal é ainda aumentado pelo fato de ter sido um funcionário público por tantos anos, o que não o impediu de ver no patrão um “mal necessário” e lutar veementemente pela redução de seu poder. Sua integridade moral, assim como seu respeito à verdade, sempre estiveram acima dos interesses individuais de curto prazo.
Meira Penna chegou a presidir o Instituto Liberal de Brasília, e foi um dos poucos brasileiros membros da Mont Pélérin Society, uma das mais respeitadas do mundo, fundada por Hayek (quem, aliás, ajudou a levar ao Brasil). Fora isso, é autor de diversos livros que abrangem diferentes assuntos, sempre com uma objetividade ímpar.
Em O Dinossauro, escrito na década de 1980, disseca o patrimonialismo brasileiro, expondo suas causas, profundamente ligadas à herança cultural, assim como suas terríveis consequências. Combateu o gigantismo estatal, o planejamento central, o socialismo de forma geral. Esteve do lado certo na retrospectiva histórica. Lutou a boa luta.
Aprendi muito com o embaixador através de debates travados na Rede Liberal, um grupo virtual que troca ideias sobre inúmeros assuntos diferentes. As participações de Meira Penna eram sempre ponderadas, embasadas e costumavam agregar bastante valor. Sua memória era fantástica, e poder desfrutar de sua vasta experiência foi uma dádiva, um curso de mestrado. O que preciso ler nos livros ele viveu de perto.
Sua erudição impressionava, não só pela biblioteca armazenada em seu cérebro, mas principalmente pela sabedoria em utilizá-la, em ter absorvido, processado e depois produzido grandes ideias. Não é para qualquer um, ainda mais quando vemos tanta gente culta por aí, mas sem sabedoria alguma. Meira Penna evitava a retórica pretensiosa, a obscuridade ou imprecisão deliberada, e isso apenas aumenta seu valor.
Estive algumas vezes com ele pessoalmente, numa delas em sua casa para um bate-papo informal entre amigos. Um dia que ficará para sempre em minhas lembranças. Foi no evento de um lançamento de um livro meu em Brasília, e Meira Penna fez questão de ir lá na livraria, assistir a minha palestra inteira. Como não ficar comovido com a humildade deste gigante? A simpatia por ele era imediata. Algo como estar diante de um avô querido.
Em resumo, foi um homem de grande sabedoria, um excelente teórico, um escritor produtivo e original, e ainda por cima alguém que não ignorava a praxis, tendo sempre feito coisas concretas pela liberdade, nesse país tão necessitado dela. O movimento liberal deve muito a esse grande pensador. Se a mentalidade dos brasileiros fosse um pouco mais próxima daquela defendida por ele, o país seria outro, completamente diferente. O eterno gigante adormecido iria despertar com força, e seria uma verdadeira potência, próspera e livre!
Que descanse em paz e fique com Deus! E aos familiares, meus sentimentos sinceros, de quem aprendeu muito com ele, e o respeitava bastante.
Rodrigo Constantino