O vice-presidente general Hamilton Mourão tem sido uma voz mais moderada dentro do novo governo Bolsonaro. Desde entrevistas ainda antes de assumir o governo, Mourão se mostrou equilibrado, preparado e simpático, rivalizando com uma imagem de bronco e turrão do presidente.
Sem função bem definida, Mourão tem agido como articulador, recebido empresários e políticos para conversas, e falado muito com a imprensa – talvez até demais. Vai construindo sua imagem de sensato e prudente, dando declarações que muitas vezes vão de encontro ao que pensa o próprio presidente.
Sobre Lula ir ao velório do irmão, por exemplo, falou em “questão humanitária”. Enquanto Bolsonaro ataca com frequência a imprensa e sequer deu a coletiva em Davos, Mourão elogia o trabalho dos jornalistas. Sobre a Venezuela, rechaça o envio de tropas. Sobre o clima, mantém um discurso mais ameno.
Vai, assim, preparando a narrativa de uma alternativa a Bolsonaro, num eventual caso de o escândalo envolvendo Queiroz e seu filho Flavio ganhar dimensões maiores e afetar o presidente. Seria irônico, convenhamos: muitos acharam que Bolsonaro tinha escolhido um militar como vice para impedir qualquer anseio de impeachment da oposição, e agora o general é tido como mais moderado do que o ex-capitão.
Não nego que o tom de Mourão me agrada, em especial quando ele alfineta o núcleo duro do governo, ou seja, os filhos de Bolsonaro e seu círculo mais próximo. São pessoas realmente radicais, inspiradas no malucão Steve Bannon, que adotam muitas vezes os mesmos métodos dos adversários petistas. Às vezes, porém, acho que Mourão faz concessões demais aos “progressistas”.
Mas o ponto aqui é outro: mostrar o modus operandi da esquerda. Agora ela até aceita elogiar Mourão por um único motivo: ele não está no comando. Ou seja, são elogios táticos para, no fundo, atacar Bolsonaro. Se, por acaso, Mourão um dia assumisse o comando, tudo isso mudaria da noite para o dia, num piscar de olhos, e o general seria retratado como um extremista de direita.
Aqui nos Estados Unidos é a mesma coisa. Hoje a esquerda democrata faz elogios até a Bush, esquecendo que ele era demonizado quando estava no poder. Reagan também recebe afagos, como McCain e outros já falecidos: se o republicano estiver morto, melhor ainda, pois não pode mais voltar ao poder.
Os elogios aos outros conservadores têm como único intuito pintar Trump, o atual presidente, como alguém muito pior e mais radical. É puro cinismo e hipocrisia. A esquerda finge que não tratou até mesmo o super moderado Mitt Romney como uma espécie de nazista insensível que maltratava cachorros e não ligava para os mais pobres.
A mesma tática é usada pela esquerda para falar dos formadores de opinião mais à direita. Hoje aceitam elogiar até Roberto Campos, que era ridicularizado em seu tempo, chamado de “Bob Fields” e “entreguista”. Tudo para investir na narrativa de que “não se fazem mais pensadores de direita como antigamente”, e que todos os atuais são uns extremistas malucos.
Eis o fio condutor desse discurso esquerdista: sempre atacar os atuais intelectuais e políticos de direita que exercem mais influência ou estão no poder, ainda que para tanto tenham que acender velas para defuntos conservadores ou tecer um ou outro elogio aos que estão mais afastados do poder.
Mourão que se cuide! Pode deixar esses afagos dos velhos adversários lhe subir à cabeça e gostar da ideia de uma troca de comando. Não que seja um conspirador, o que não parece o caso. Mas lutaria com menos afinco para proteger seu chefe.
E se um dia assumisse mesmo o controle, veria com surpresa que todos aqueles elogios desapareceriam, e o general receberia automaticamente os mesmos adjetivos e rótulos hoje destinados ao presidente Bolsonaro. Sua patente militar voltaria a ter enorme relevância e voltaria para assombra-lo.
A única forma racional de lidar com elogios de esquerdistas é ignora-los, saber que se tratam de uma estratégia calculista, nunca de reconhecimento sincero. Quando começo a receber elogios de certos tipos, chego a redobrar minha atenção para ver onde estou errando…
Rodrigo Constantino