Por João Paulo Seixas Pereira, publicado pelo Instituto Liberal
A Venezuela é um país abençoado pela fortuna com uma posição estratégica do ponto de vista comercial e pela natureza com a profusão de Petróleo (considerada a maior reserva do mundo segundo a OPEP). É sabido que o ouro negro jorra com facilidade e em pouca profundidade desde que os colonizadores espanhóis chegaram à terra de Bolívar. Essas peculiaridades em conjunto com uma independência precoce (1811) fizeram com que o país acabasse por se tornar o aquele com o maior PIB per capita da América Latina no final do século XX.
No entanto, a partir da implantação do projeto do “Socialismo do Século XXI” de Hugo Chávez, a Venezuela viu seu PIB derreter, suas instituições naufragarem num mar de corrupção e patrimonialismo, sua violência urbana explodir e a fome grassar livremente. A queda do PIB em 2018 será de aproximadamente 18%. A população na pobreza alcançou o alarmante nível de 87%, a perda de peso média por adulto em 2017 foi de 11 kg. Projeções do Fundo Monetário Internacional indicam que a inflação neste ano deve aproximar-se dos 10.000.000%. A Venezuela é o país mais endividado em relação ao PIB do mundo, tendo Chavéz e Maduro sido responsáveis por sextuplicar a dívida externa. Estima-se que mais de 1 milhão de Venezuelanos deixaram seu país.
Nada de novo se apresenta sob o sol para aqueles que conhecem a história do socialismo e os relatos da vida sob estes regimes feito por Alexander Soljenítsin e Orlando Figes, bem como as refutações teóricas realizadas por Mises e Hayek. Todas as experiências Socialistas terminaram, terminam e terminarão exatamente da mesma forma, sejam implantadas na Rússia, na Alemanha Oriental, no Camboja, na China, no Vietnã, no Laos, em Cuba, na Romênia, na Albânia, na Coreia do Norte ou na Venezuela. O resultado inexorável é o colapso civilizacional e econômico absoluto, a ascensão de um estado policialesco, brutal e corrupto, a destruição das relações humanas genuínas pelo denuncismo generalizado e pelo medo da onisciente presença da máquina burocrática e, por fim, a fome e o êxodo desesperado.
Embora as discussões em maior exposição sobre a Venezuela envolvam a migração em massa, o bolivarianismo, a deterioração econômica e social do país e a recente eleição de Juan Guaidó, reconhecido como presidente por diversos países, um tópico que encontra-se omitido das discussões travadas na grande mídia é o envolvimento profundo do Chavismo com o Narcotráfico e o Terrorismo, esse é o tema do infelizmente negligenciado livro de Leonardo Coutinho: Hugo Chávez: o espectro.
Em sua excelente obra, Coutinho expõe as entranhas do chavismo e sua umbilical relação com o narcotráfico, seu financiamento direto e indireto ao terrorismo e à desordem global. O livro é resultado de meticulosa pesquisa em documentos secretos, entrevistas com dissidentes do chavismo e é guarnecido por ampla base documental.
O jornalista revela, por exemplo, a intermediação realizada por Chávez entre o governo iraniano e o governo argentino para a obtenção de informação de engenharia e tecnologia relativas a uma usina nuclear argentina cujos rejeitos podem ser utilizados para a produção de armas nucleares. Aponta ainda que o conluio entre os três países resultou não só na troca de informações nucleares como num intenso intercâmbio de armas e produtos químicos no momento em que o Irã era alvo de sanções internacionais por conta de suas ambições nucleares. O objetivo de Chávez era desviar o foco americano da America Latina, deslocando-o para o Irã, para que pudesse acelerar seu projeto bolivariano.
Na Argentina, os Kirchners e seus apaniguados viram suas campanhas e suas contas bancárias irrigadas com os petrodólares venezuelanos, como no episódio em que o empresário venezuelano, Guido Alejandro Antonini Wilson foi flagrado com uma valise com 800 mil dólares que seria destinada à campanha de Cristina Kirchner.
Enquanto o preço do barril do petróleo batia recordes na primeira década deste milênio, Chávez dedicou-se com afinco ao financiamento de grupos extremistas pelo mundo, envolveu-se financeiramente em diversas eleições na América Latina, inclusive as brasileiras, e foi responsável direto pela radicalização e endurecimento do governo Boliviano, que, mimetizando a Venezuela, também se transformou em entusiasta do tráfico de drogas. Os tentáculos de Chávez se estendem até mesmo no financiamento do filme “Snowden” e na criação do partido Podemos na Espanha.
Sob a égide do chavismo o narcotráfico floresceu e expandiu-se na America Latina e no mundo. As digitais de Chávez podem ser encontradas até mesmo no Estado Islâmico por meio do grupo Al-Qaeda do Magreb Islâmico ( AQIM na sigla em inglês), uma organização narcoterrorista que se uniu ao ISIS em 2014 e lhe emprestou a expertise no tráfico de pessoas e de drogas. A AQIM atua como entreposto para os cartéis de drogas latino-americanos no que se refere à distribuição de drogas no mercado europeu e do Oriente Médio.
Segundo Coutinho, Chávez e o governo venezuelano forneceram suporte logístico, livre acesso ao território e proteção aos guerrilheiros das FARC. Não satisfeitos em fornecer apenas o apoio logístico, autoridades venezuelanas, como o presidente da Assembleia Nacional da Venezuela Diosdado Cabello e um restrito círculo militar, fundaram o Cartel dos Sóis, e passaram a participar ativa e diretamente do tráfico de drogas. Até mesmo a PDVSA, maior empresa do país, passou a ser utilizada como intermediária para o tráfico. A contaminação do estado venezuelano pelo tráfico foi tão profunda que foi possível até mesmo o surgimento de um cartel paralelo dentro do estado venezuelano, o Cartel dos Flores, do qual participavam os sobrinhos de Nicolás Maduro, presos ao tentar vender 800 quilos de cocaína a um agente disfarçado do DEA. Hoje a Venezuela é responsável por escoar cerca de 90% da droga produzida na Colômbia. O livro é riquíssimo na descrição das elaboradas rotas e esquemas financeiros e políticos para a manutenção e expansão do tráfico de drogas no continente.
A participação de países socialistas no tráfico de drogas internacional e no seu uso como instrumento de guerra assimétrica contra o “Imperialismo Ianque” não é novidade. A URSS e a China colocaram em prática projeto semelhante com o objetivo de “subverter a juventude americana desde dentro” e financiar seus projetos revolucionários, sendo a experiência amplamente documentada por Joseph Douglass Jr. em Red Cocaine. Do mesmo modo Cuba já operou na mesma função que hoje desempenha a Venezuela, fornecendo inteligência, equipamento, financiamento para as Farc e tendo ainda celebrado um contrato com o Cartel de Medelín para facilitar a entrada de drogas nos Estados Unidos, como revelado por Juan Reinaldo Sánchez, ex-segurança de Fidel Castro, em A vida secreta de Fidel.
O livro peca apenas pela ausência de uma menção elaborada sobre o papel do Foro de São Paulo no projeto bolivariano. É crucial compreender que a expansão da rede de narcotráfico, o financiamento de partidos políticos aliados e todo o projeto da Pátria Grande Latino Americana seria impensável sem “esa cocita llamada Foro de São Paulo”, para usar as palavras de Lula. Analisar o jogo geopolítico na América latina sem considerar a influência do Foro nas últimas duas décadas é praticamente impossível.
Foi por meio dos mecanismos informais, fora da institucionalidade convencional e sob o manto de silêncio que a mídia manteve sobre o Foro que as estratégias bolivarianas foram traçadas, que os contatos entre as Farc, os grupos cocaleiros da Bolívia e o governo Venezuelano foram realizados. Ao leitor que tiver interesse em compreender a extensão da influência do Foro de São Paulo sugiro a leitura de “Conspiração de portas abertas” organizado por Paulo Diniz Zamboni, “O Foro de São Paulo: A Mais Perigosa Organização Revolucionária das Américas” de Graça Salgueiro e “A Hidra Vermelha” de Carlos Ilich Santos Azambuja”.
O que nos revela em última instância Coutinho é que a Venezuela não é um narco-estado, ou seja, um estado que foi cooptado pelo Narcotráfico, mas sim um Estado-narco, um ente estatal que opera consciente e diretamente na compra, distribuição e produção de drogas. Essa dimensão esquecida e brutal do chavismo talvez seja aquela cujo impacto é mais profundo em nosso país.
Não coincidentemente a ascensão do chavismo e seu conluio com o tráfico internacional de drogas corresponde à escalada da violência urbana no Brasil nas últimas décadas, boa parte motivada exatamente pelo tráfico de drogas. Há por certo uma correlação direta entre a promoção do narcotráfico realizada pelo chavismo e o assassinato de milhares de brasileiros todos os anos.
O livro de Leonardo Coutinho, portanto, é um relato aterrador, meticuloso e necessário para compreender o cenário latino-americano nos últimos vinte anos. Por fim resta-nos ainda elucidar qual foi o papel ativo ou omissivo do governo brasileiro sob os desmandos do petismo que permitiu que nós e nossos vizinhos chegássemos a esse estado de coisas.
*Sobre o autor: João Paulo Seixas Pereira é advogado, formado pela Universidade Católica de Petrópolis em graduação sanduíche com Universidade do Porto-PT. Pós graduado pela escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. Interessado em Direito, Economia, Política, História, Literatura e Mitologia.