Por Lucas Berlanza, publicado pelo Instituto Liberal
Fundador do PT e ex-assessor da presidência, Marco Aurélio Garcia faleceu ontem aos 76 anos.
Dizia Carlos Lacerda que, quando alguém se vai deste mundo, o ideal é deixar que a História o julgue e, na semana da partida, se for o caso de dizer algo, pronunciar a seu respeito algumas palavras elogiosas. Há os que, ao contrário, dão vazão a todas as suas indignações e expressam votos públicos de que a alma do falecido em questão seja incinerada nas chamas do Inferno.
Se por um lado minhas convicções me levam a me afastar do segundo comportamento, me parece inevitável também que, quando se trata de uma figura pública, à sua morte imediatamente se siga uma reflexão acerca da obra que deixou. Diante dessa realidade, dependendo de quem se trate, endereçar-lhe palavras elogiosas pode servir para alimentar o erro e mascarar a verdade – verdade esta que, para o bem do debate público, será o mais importante. Não se poderia, apenas porque um tirano faleceu, render apenas loas às suas eventuais virtudes, sob pena de fortalecer a farsa que seus idólatras constroem em torno de sua representatividade simbólica.
Digo isto porque, de todos os petistas clássicos, por assim dizer, Marco Aurélio foi o único, se bem me recordo, com que estive pessoalmente. Melhor dizendo, porque isso pode parecer um exagero, fiz parte do público que assistiu a uma palestra deste senhor nas dependências de minha universidade, na Praia Vermelha. Produzi, à época, um texto sobre o teor daquela palestra para o site do Instituto Liberal. O tema era política externa, e estávamos em meio à sórdida campanha eleitoral de 2014. Marco Aurélio, naturalmente, estava lá para militar a favor de Dilma e da continuidade do projeto de poder lulopetista.
A plateia estava cheia, com vários estudantes portando adesivos da hoje ex-presidente. Parece que uma eternidade nos afasta daquele momento em que soava menos esdrúxulo ostentar a imagem da maior mentecapta que já (des) governou este país…
Muitos observavam fascinados o discurso de Marco Aurélio. A impressão forte que guardei foi a de um homem com uma retórica envolvente, bem-humorada. Sempre que possível, ele tentava empregar alguma piada ou expressão jocosa; seu esforço era nitidamente por transparecer a imagem de um “tiozão descolado”, com ideias revolucionárias sedutoras e “conectado aos novos tempos”, vinculado aos anseios por “justiça social”.
Ao mesmo tempo, Marco Aurélio estava municiado por um respeitável cabedal de citações históricas e adornos de erudição. Quem ali buscasse por um mestre para justificar com base em refinamento mal compreendido as próprias posições já previamente concebidas encontraria naquele discurso um prato cheio.
Para aqueles, contudo, que não se permitissem impressionar, como eu mesmo, seu constante sorriso sarcástico exalava o fel da mentira compulsiva. Mais do que isso: insensível. Marco Aurélio fazia questão de se cegar à realidade, e estava nitidamente entusiasmado em capturar a plateia na mesma cegueira sistemática. Aquilo que chamei de adorno de erudição mal disfarçava a aura de um agitador social universitário, cobiçando o aplauso à imoralidade. O preço a pagar por isso – pago, evidentemente, pelo povo – parecia não importar.
Houve de tudo… culpar pelas dificuldades econômicas brasileiras, então ainda às vésperas da crise aguda que ainda viríamos a enfrentar, a já distante crise internacional de 2008. Apontar o país como exemplo de “desenvolvimento econômico aliado à promoção da justiça social” – “justiça social” que os milhões de desempregados desejam agora saber onde está. Desfraldar a bandeira da necessidade de políticas mais “protecionistas” e de “soberania nacional” na economia – como se não fôssemos uma das economias mais fechadas do mundo.
A mais revoltante atitude tomada no discurso, e também a de consequências mais tristemente atuais, entretanto, foi a expressão da marca maior de Marco Aurélio, o resumo de sua obra: o endosso à devastação dos rumos diplomáticos brasileiros, setor em que já fomos brilhantes referências, com Rio Branco e Osvaldo Aranha. Marco Aurélio afirmou peremptoriamente, sem qualquer pudor, que a América Latina é uma das regiões mais bem-sucedidas do planeta, berço de “DEMOCRACIAS ALTAMENTE AVANÇADAS”, com “governos livres e sem forte repressão militar”.
A Venezuela de Maduro, que já chega às dezenas de mortos pela repressão armada aos protestos contra o governo, é apenas o exemplo mais flagrante do banho de sangue e carências em que mergulharam o Brasil – com os seus sessenta mil homicídios por ano – e os vizinhos latino-americanos, com sua extravagante mania de adulterar Constituições para perpetuar líderes populistas. Esse triunfo da malandragem, da pobreza, da mediocridade de padrões, do projeto autoritário do bolivarianismo e do Foro de São Paulo, é o sucesso retumbante e inspirador para o mundo que, em seus delírios, Marco Aurélio louvava em nosso continente.
Aquele que se despede não foi, portanto, dos mais dignos filhos de nossa pátria. Por minha fé, rogo pelo bem de sua alma – mas rogo também por uma geração de diplomatas e pensadores da política externa que sepultem esse modelo nefasto que ele tanto representou, o da subordinação da presença brasileira no concerto das nações a mesquinhos interesses ideológicos.
Que com Marco Aurélio vá embora a pequenez de nosso colosso nas Américas, um país de dimensões continentais, que poderia ter dado prosseguimento a uma escalada de desenvolvimento sustentável e figurar entre as nações de perspectiva mais promissora para as próximas décadas, mas que se permitiu optar pelo entusiasmado rebaixamento a capacho da tirania e assecla da decadência.
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