Por Percival Puggina
Gosto de escrever crônicas. No entanto, raramente consigo pois a urgência e a arrogante importância das pautas cotidianas consomem meu tempo. Hoje, não.
Aconteceu no centro de Porto Alegre, em local inesperado e hora imprópria, proporcionado por uma única protagonista. E duvido que a maior parte dos transeuntes tenha prestado qualquer atenção ao que estava em curso.
A personagem cobria-se com andrajos. A pele, envelhecida, visivelmente não se encontrava com água há muito tempo. Todo seu aspecto, dos cabelos aos pés, dava a impressão de se tratar de pessoa egressa de um sanatório para doentes mentais. Sentada ao meio-fio, ignorando o mundo que fluía ao seu redor, com um rasgado sorriso de felicidade, a mulher pintava as unhas dos pés descalços.
Foi um flash, um instante fugaz, colhido pela retina enquanto o carro descia a movimentada rua. Mas nunca esquecerei a imagem de alguém que perdeu tudo, inclusive a razão, sem perder a vaidade. A mais bela metade da humanidade estava ali representada, num espetacular, eloqüente e silencioso comício da feminilidade.
Pode parecer estranho, mas me senti, como homem, homenageado por aquele gesto aparentemente tão impessoal e fútil quanto deslocado. Mulher mãe, filha, esposa, namorada, amante. Mulher sadia ou enferma; bem cuidada ou maltratada. Vaidosa, dengosa e valente. Não há no mundo nada mais importante nem mais interessante do que a mulher.
Quantas lutas não encontraram lenitivo no vazio daquela loucura? Quanto abandono, traição e combate desigual não a conduziram ao precipício da demência? Mas a vaidade, mulheres que me lêem, a tudo resistiu. Quantas pessoas não terão passado ali e visto nada além de uma expressão da moléstia? E no entanto – insanos! – aquelas mãos sujas escreviam nos pés encardidos, com pincel e esmalte, uma poesia de rara beleza.
Leitor fugaz daqueles versos eternos, deixo aqui minha própria homenagem ao que eles expressam. E fique a pauta política inteira para amanhã!