Por Lucas Berlanza, publicado pelo Instituto Liberal
O professor de Direito Administrativo Bernardo Guimarães Ribeiro, o corajoso autor de Nadando contra a corrente: Como a dificuldade em formar as próprias ideias abre espaço para ideologias irracionais, recente lançamento da Editora Armada, diz não considerar sua obra propriamente um livro. Ao contrário, para ele, seu trabalho é “um compêndio de assuntos” que foram objeto de sua reflexão ao longo de anos.
À revelia do termo que se prefira usar, há um que, conquanto jamais utilizado em parte alguma do texto como auto referência, parece servir muito bem ao que o leitor terá em mãos se tiver acesso a um exemplar: trata-se de um autêntico dossiê. O livro – se o autor permite a palavra – foi projetado, intencionalmente ou não, para ser um manancial inesgotável de informações e dados, da categoria daqueles que podem ser empunhados como armas fatais em discussões acaloradas, quando os argumentos etéreos já não bastam e fazem-se necessários os fatos, cristalinos e quantificados.
Nadando contra a corrente já nasce como uma obra de referência para consulta constante. O livro, em geral, é mesmo um compêndio de estatísticas – ainda que o autor sabiamente desmonte a sua primazia com uma ironia muito bem-vinda, atestando de maneira precisa as manipulações a que os números e pesquisas são submetidos pelas inteligências mal-intencionadas -, exemplificações históricas e evidências documentais, tudo isso voltado a confrontar algumas das mitologias (no pior sentido da palavra) mais “naturalizadas” no discurso das militâncias de esquerda, das esferas de produção de cultura e da grande mídia na contemporaneidade.
A obra se anuncia humilde em suas pretensões, suscitando o debate e jamais pretendendo impor-se como detentora da suprema verdade quanto aos tópicos que aborda. Contudo, o efeito da vastíssima gama de acontecimentos e elementos fornecidos para sustentar suas conclusões, recorrendo a tantos casos que é quase impossível não admirar a capacidade mnemônica de Bernardo Guimarães – ou seja lá qual tenha sido o método por ele usado para registrar tantos eventos -, é o de um petardo absolutamente irrespondível.
Apesar de ser composto basicamente de dados, ainda que elencados com elegância e fluidez, o livro não está despido de reflexões filosóficas ou de um bom embasamento teórico. De maneira alguma; uma das maiores provas disso é a influência corriqueira dos apontamentos do filósofo conservador americano Thomas Sowell ao longo das mais de três centenas de páginas.
O primeiro capítulo, inclusive, com o título “O controle das ideias com finalidade transformadora”, tem por objetivo devassar as raízes de todo o edifício de ilusões que o livro vai provocar, na tentativa de nos chamar à razão. Ele identifica o berço do politicamente correto como um “conjunto de regras sociais impondo contornos e limites à liberdade de expressão” a partir do fracasso das teses ortodoxas do Marxismo, traçando um histórico de seu desenvolvimento pelos autores da Escola de Frankfurt, em sequência à premissa de autores como Gramsci e Lukács de que os valores ocidentais precisariam ser minados em vez de se recorrer a uma mera revolução armada para realizar o sonho socialista.
Através de uma adulteração das ideias e da linguagem, e aqui Bernardo faz uma analogia oportuna com a “novilíngua” do clássico 1984 de George Orwell, a esquerda, fazendo uso do politicamente correto, se tornou capaz de engessar o debate público e promover patrulhamentos e rotulações, aptos a se substituírem ao cru recurso às armas na tentativa de construir uma atmosfera autoritária contra liberais e conservadores.
Ela faz isso mobilizando os recursos materiais que têm à disposição, com seus “agentes” a postos, fiéis e úteis, nos postos de difusão de mensagens e informação, como os grandes jornais e universidades, e adotando por único grande critério o relativismo moral – absoluto rigor com o inimigo, proteção incondicional do “nosso lado”, mesmo que os malfeitos e circunstâncias sejam muito similares. Em “A manipulação da grande imprensa e dos intelectuais”, é exatamente o que o autor detalha, demonstrando como o material existente sobre temas como desigualdade de renda, aquecimento global e a morte de negros é manipulado e abordando casos recentes de militância jornalística mal disfarçada, como, por exemplo, as campanhas da grande mídia contra Donald Trump, Jair Bolsonaro e o Brexit.
“O feminismo e seus mitos” tiveram direito a um capítulo próprio, que demonstra, por exemplo, algumas verdades inconvenientes para as feministas barulhentas dos nossos dias, como as inúmeras “desvantagens” que os homens também poderiam reivindicar, discutindo engodos como a “cultura do estupro”, a suposta necessidade de cotas para participação de mulheres na política – como se a maioria masculina não fosse igualmente eleita pelas próprias mulheres – e as polêmicas salariais, oportunidade em que Bernardo lembra, por exemplo, que é maior o número de homens em funções de alto risco.
“Uma análise sobre a dívida histórica” se debruça sobre o ressentimento por trás dos discursos que pretendem que sejam feitas reparações a desatinos de personalidades que viveram no passado, apresentando igualmente embasamentos históricos para erodir as falácias, como os fatos de que houve negros com escravos, de que houve colaboração de ancestrais africanos na própria escravidão dos europeus e de que escravidão e racismo não andavam precisamente juntos.
O capítulo sobre “A questão agrária e os sem-terra no Brasil” denuncia com brilhantismo o oportunismo político dos “movimentos sociais” (leia-se terroristas) como o MST. Sem deixar de admitir que haja terras improdutivas que mereceriam atenção especial, ele ressalta que o desenvolvimento do agronegócio tem dado um encaminhamento muito mais efetivo à economia e à mão-de-obra rurais e que essa é uma das razões por que a reforma agrária não seria hoje o tema prioritário nem para o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.
Finalmente, não escapou ao autor uma das questões mais graves de nosso tempo: “O Ativismo Judiciário”. Nesse capítulo final, ele destrincha os malabarismos retóricos do Poder Judiciário, em especial do nosso Supremo Tribunal Federal – embora deixando claro que o problema aparece em outros países, até nos EUA -, se substituindo às prerrogativas do Legislativo, o que constitui premente ameaça à divisão de poderes e à representação democrática. O capítulo apenas não cita aquele que o pensador Olavo de Carvalho referencia como um dos principais ideólogos dessa estratégia de supressão da representação: o jurista Ronald Dworkin, que, no entanto, é mencionado no livro por sua defesa fajuta das ações afirmativas.
Algumas críticas poderiam ser feitas ao trabalho de Bernardo, como algumas diferenças de tom que temos; ele, por exemplo, parece um pouco mais generoso com o mérito da existência de algum feminismo em nossa sociedade, conceito em que não vejo sentido, ainda que haja pensadores e ativistas pretendendo associar feminismo e liberalismo. Também sentimos uma concessão desnecessária aos adversários quando o autor diz que é preciso promover, apesar de os meios não serem os convencionalmente apontados, a “inclusão racial” em um país “onde aos negros tanto foi sonegado ao longo da história”, quando não enxergo nenhuma necessidade de sequer considerar a questão racial na reflexão sobre políticas públicas. Prefiro a filosofia de Morgan Freeman: vamos parar de falar sobre isso.
De qualquer forma, o liberal e o conservador, torpedeado todos os dias pelos engodos mais escroques e pelas mentiras mais onipresentes, não se arrependerá de possuir este antídoto. O livro de Bernardo Guimarães será uma aquisição útil para a estante – e, seguramente, para ser consultada por bem mais de uma vez.