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Por Hiago Rebello, publicado pelo Instituto Liberal

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Uma questão tediosa e um pouco infantil é a problemática a respeito da qualificação de pontos A ou B na direita, ou na esquerda. “Resumir tudo à direita ou à esquerda é precário” não é uma frase nova. Espectros políticos, desde a Revolução Francesa, de fato apresentaram mudanças e características voláteis para definir o que é esquerda e o que é direita; argumentos e posições em prol da manutenção de certo regime ou sistema, no contexto conturbado da política francesa no fim do século XVIII, seriam colocados à direita; já a defesa da dissolução do que nós hoje conhecemos como o Antigo Regime e seu sistema e tradição seriam defendidos pela esquerda.

Se seguirmos à risca o modo de definição apresentado acima, teremos um problema: as mudanças políticas na História acabam por fazer esta comparação inútil. Um François Guizot e um Alexis de Tocqueville seriam postos à esquerda, assim como um Frederic Bastiat, o que, no mínimo, é um absurdo completo de se crer.

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Se voltarmos um pouco no tempo, quem, dentro da União Soviética, defendesse a permanência do regime comunista também seria posto na direita, por querer conservar um sistema político já estabelecido por gerações; quem, dentro de uma democracia, defendesse a conservação democrática de um governo socialista já tradicionalmente eleito pelo povo também deveria ser um conservador – o que colocaria os defensores de Chavez, de alguns anos atrás na Venezuela, como os sujeitos mais direitistas de todos. Quem votasse na Hilary Clinton, em 2016, seria conservador e quem quisesse que Donald Trump assumisse o cargo seria um revolucionário, algo que não faz o menor sentido por um motivo: a nuance entre conservação e mudança é insuficiente para se definir direita e esquerda – e o princípio de sabermos que Donald Trump está na direita e Hilary Clinton na esquerda é apenas um: sabemos a identidade da esquerda e da direita.

O fato é que a velha convenção para saber o que é direita e esquerda, decidida pela posição em relação ao rei na Assembleia dos Estados Gerais da França do século XVIII, é manca. Não se trata de uma diferenciação totalmente indevida, mas falha e inútil por ser incompleta. O ponto de ruptura para se diferenciar direita e esquerda na Assembleia dos Estados Gerais era o rei, a conservação e a mudança drástica. Sem noções de conservação e drásticas mudanças, hoje, não saberíamos distinguir a direita da esquerda de forma alguma, é verdade, mas se fiar apenas nessas diferenças é um problema.

O conhecido Princípio de Identidade, um legado dos gregos até nós, é o que nos habilita a diferenciar todos os entes. Se 1 é 1, e não 2, é porque ele possui a identidade de número 1 e, portanto, não possui a de número 2 – tal regra também vale para sabermos quem nós somos, quem são nossos amigos, conhecidos, o que comemos, onde moramos, no que acreditamos. Sem sabermos dar identidade às coisas, não temos como saber aquilo que é e aquilo que não é. Não poderíamos, literalmente, diferenciar o sim do não.

Direita e esquerda só podem ser distinguidas por características próprias que não sejam voláteis, e a simples luta pela conservação e pela mudança drástica não é o suficiente para ter uma definição adequada. Se existirem nuances nos princípios indenitários da esquerda e da direita, não se poderia catalogar nada com certeza alguma a esse respeito. O comunismo não seria de esquerda, assim como o socialismo; o liberalismo econômico não estaria na direita, assim como o conservadorismo. Tudo poderia ser e não ser ao mesmo tempo.

Então o nazismo seria de direita, mas ao mesmo tempo não seria. Marx seria de índole direitista também e Donald Trump, na verdade, estaria inaugurando uma nova era da esquerda nos Estados Unidos.
Então não podemos nos basear na França do século XVIII para sabermos o que é direita e esquerda. Existe algo além da diferença bruta entre mudança abrupta e conservação; e tal diferença está, exata e essencialmente, na obra de Georg Wilhelm Friedrich Hegel.

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Se existia um mundo pré e pós Revolução Francesa, também existe um mundo do antes e do depois da filosofia hegeliana. Hegel, possivelmente o sujeito com mais influência nas obras de Karl Marx, foi o pai dos revolucionários que impactaram o século XX. Ele e sua Filosofia da História definem grande parte do atual progressismo contemporâneo. Sua ideia de dialética histórica, e, acima disso, o modo como foi defendida, é o molde que compõe toda a obra marxista. É claro, Hegel não é o pai dos revolucionários (a lá Revolução Francesa, pois não incluo aqui eventos como revoltas, guerras civis, golpes de Estado, independências… ou certas revoluções antecedentes da Rev. Francesa, como a Inglesa e a Americana), e Jean-Jacques Rousseau também tem sua grande influência para definir o que é esquerda e direita; porém Hegel detém algo que os iluministas como Rousseau não possuíam em suas filosofias…

Hegel e seu progressismo histórico dão moldes ao progressismo marxista pela luta de classes, embora Marx fosse um grande crítico e, em muitos pontos, antagônico para com a explicação hegeliana da História (vale lembrar que Hegel não era um materialista, por exemplo). Esquerda e direita, na intelectualidade, possuem no legado de Hegel seu grande ponto de ruptura, o traço que irá dar identidade para ambas as correntes no espectro político e cultural.

Muita coisa mudou desde Hegel, desde a Revolução Francesa, o século XIX, e, até mesmo, o século XX; porém a raiz hegeliana na esquerda ainda se sustenta. Quem é hegeliano hoje? Ninguém, ao menos nos grandes movimentos da atualidade; contudo quem crê fielmente em um progresso histórico? Em algum tipo de marcha que a humanidade fará, vencendo as contradições, para um amanhã essencialmente melhor do que o ontem? Basta ligar a TV Globo e verá Hegel e seu legado colossal.

Do PSOL ao PCO, dois partidos de esquerda que discordam em muitos pontos, podemos ver a estrutura progressista hegeliana em larga escala. Se o PCO fica longe da causa gay, por exemplo, o faz para realizar o amanhã melhor; se o PSOL dá suporte para tal causa, é também para construir seus “mundos melhores”. Contudo acreditar em algum tipo de progresso não é, de fato, algo esquerdista por si. Quando se realizavam progressos na Idade Média, não existia o que podemos chamar de esquerda ou direita, o que não quer dizer que o desejo pelo progresso, em algum ponto, não existisse. Francis Bacon, do mesmo modo, de forma alguma poderia ser taxado como esquerdista por conta de suas melhorias realizadas na metodologia científica. Isto seria um gigantesco anacronismo.

A estrutura dialética que Hegel monta, aplicada na História, isto é, todo o andar da humanidade, se difere da concepção normal de progresso. “Progresso”, em Hegel, é um caminhar necessário que os tempos dão para uma melhoria nas sociedades humanas, um avanço causado por movimentos dialéticos, onde sempre o “amanhã” será melhor do que hoje, e o “ontem” será um período inferior. Contra tal crença progressista, sabemos que isso não ocorre em todos os casos e não serve para explicar a História. A Rússia comunista da URSS é bem inferior a Rússia de Putin (embora esta também não seja lá essas coisas…); o Império Romano dos tempos da Pax Romana era bem superior ao reino de Roma liderado pelos ostrogodos, séculos depois.

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No entanto, em nome do “amanhã melhor”, os movimentos revolucionários do século XIX e XX se ergueram. Estruturalmente, a dialética histórica é o que define a esquerda revolucionária. Marx, Obama, Stalin e Fidel Castro podem ser todos diferentes, mas todos estão na esquerda porque possuem a estrutura hegeliana para seus pensamentos.

Onde está essa estrutura na direita? Ela aparece apenas em termos acidentais, assim como a ausência de revolucionarismo na esquerda também é acidental e minoritária. George Orwell, um socialista declarado, é um dos poucos socialistas não-revolucionários, sem a estrutura hegeliana, que existiram no século XX. Mas Orwell é um caso específico. Não há partidos de matriz “orwelliana” ou escolas de pensamento baseadas do tipo de socialismo que ele propunha.

O progressismo “cor-de-rosa” atual, pintado de democrático em alguns casos, é de esquerda, mas por que, assim como esse progressismo a lá Obama e PSOL também é de esquerda, Stalin e Lenin também o são? Porque, apesar de toda a diferença que detêm, possuem a mesma estrutura identitária que os define como esquerdistas.

Alguns dias atrás, Nando Moura fez um vídeo resposta para Leon, do canal Coisa de Nerd e Cadê a Chave; Nando deu argumentos com o propósito de demonstrar que o nazismo, de fato, estava no espectro esquerdista, e não na direita. Em meio a certas citações de livros, ele aponta o inchaço estatal, a busca por um “novo Homem” (no fim, um ‘mundo melhor’ dentro do nazismo)… no fundo, os moldes hegelianos que a esquerda tem.

Aliás, a coisa vai além: as propostas econômicas do nazismo não eram de direita, não visavam uma economia livre, não diminuem a importância dos burocratas, são de índole clara e abertamente operária, portanto, antiburguesa… o pretenso tradicionalismo alemão que o nazismo defende, na verdade, é uma invenção nova, criada pelo conceito de superioridade racial, o arianismo. O nortismo, amplamente anticristão, é uma das fontes do nazismo, o que quebra com a tradição cultural da Alemanha, onde o cristianismo católico e protestante, assim como seus mandamentos, dogmas e cosmovisões deveriam ser os majoritários (e não profanar os altares com a suástica, como de fato ocorreu na Alemanha). Politicamente, nenhum conservadorismo pode-se esperar de um governo que perseguia monarquistas.

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O nazismo não possui, portanto, uma matriz cristã tradicional, ou uma conservadora burkeana, uma liberal, de Adam Smith… então como raios ele pode estar na direita? Como ele pode estar na direita se a estrutura da identidade do nazismo herda moldes hegelianos, progressistas? Leon, claro, não toca nessa questão.

Se existe a possibilidade de saber que algo é de esquerda, e não de direita, como conseguir saber? Pergunto ao Leon e à sua esposa, Nilce: o que realmente separa a esquerda e a direita? Só assim poderemos saber o que foi o nazismo, se ele era de esquerda, de direita, se era uma terceira via; mas isso sequer foi tentado…

Leon pegou a diferenciação circunstancial manca e usou apenas a dicotomia simples de “esquerda e direita” para definir o nazismo. Dentro dessa dicotomia rasa, é claro que o nazismo está mais à direita do que o comunismo. O esquerdismo LGBT também estaria à direita, se comparado com o comunismo de Stalin, e não vejo ninguém chamando o Movimento Gay de um movimento de direita… Por que será? Isto já foi dito, mas repito: porque a estrutura interna é o que define a direita e a esquerda, em termos gerais.

Em termos mais aristotélicos: se 1 é 1, é porque possui a substância de 1, o que o fará se diferenciar dos demais entes. 1 terá sua singularidade, seus atributos particulares que o farão ser o que ele é. 1 é um número, e possui os atributos que um número tem; caso algo incógnito não possua a característica de ser um número… este algo pode ser muita coisa, mas o número 1 ele jamais será. Se o nazismo tem propostas muito mais similares à esquerda, caso ele se difira em muitíssimos pontos da direita na maioria dos casos… e ainda tenha uma estrutura hegeliana… é porque ele está no espectro esquerdista!

Por fim, creditar que o nazismo é de direita por ser, de fato, antimarxista é esquecer que nem toda a esquerda foi ou é marxista. Marx não é o pai do socialismo, tampouco da esquerda. A interpretação marxiana e marxista do socialismo foi a que reinou na esquerda no século passado, apenas isso. Se o PSTU e o PT concorrerem no segundo turno da eleição de 2018, o PT SERÁ A DIREITA, mas apenas circunstancialmente, em comparação ao PSTU. Estruturalmente, no fundo, ele jamais será de direita.

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