O tema tem ganhado força, e é conversa de adultos, não de crianças idealistas e românticas. Até que ponto deve ir a “purificação” do sistema? Posto de outra forma: quando que a cruzada justiceira deve dar lugar ao pragmatismo? Acabo de escrever um texto sobre isso, e sempre que o faço, noto uma drástica queda de audiência. Entendo. O público está indignado, com toda razão, revoltado, saturado de tanta sujeira política. É o ambiente propício a uma revolução que prometa zerar a pedra e construir algo totalmente novo do zero, não a reformas institucionais.
O problema é que isso pode ser perigoso, palco fértil para aventureiros messiânicos, para jacobinos “puristas”, para um Robespierre “incorruptível”. Tenho escrito vários textos alertando para isso, mostrando como o pai do conservadorismo, Edmund Burke, percebeu os riscos dessa mentalidade. Será que não era possível reformar o modelo político sem jogar fora tudo existente antes? Os franceses mergulharam no Terror da guilhotina ao responder “não” a essa pergunta.
Muitos brasileiros perderam qualquer esperança no sistema. Alguns clamam por intervenção militar, descrentes de que os próprios políticos possam consertar a bagunça, o que significaria agir contra seus privilégios e interesses, reduzindo seu poder e trazendo transparência onde há apenas sombras. Mas cabe questionar com sinceridade: se não forem os políticos, quem vai fazer as mudanças necessárias? Os militares? Um déspota esclarecido?
O debate foi tema da coluna do professor Rogério Werneck hoje no GLOBO. Werneck, bastante ponderado, toca nos pontos importantes, mas conclui que é muito cedo para se falar em uma “amnésia coletiva” pragmática que possibilite passar a régua na podridão do sistema para focar na reconstrução do país:
No seu aclamado Pós-guerra, Tony Judt relata como o programa de “desnazificação” da Alemanha, ao fim da Segunda Guerra Mundial, foi rapidamente abandonado. Como nada menos que oito milhões de alemães — um sétimo da população remanescente no país ao fim do conflito — eram nazistas, não havia como viabilizar a reconstrução e o fortalecimento do país, num quadro de rápido agravamento da Guerra Fria, excluindo-os desse projeto.
Concluídos os julgamentos de Nuremberg, em 1946, decidiu-se que o mais prudente era fechar os olhos para o muito mais que ainda havia a investigar. E deixar que a Alemanha mergulhasse numa longa e controvertida “amnésia coletiva”, que tornou admissível, por exemplo, que 94% dos juízes e promotores da Baviera, em 1951, fossem ex-nazistas.
Por mais alarmante que seja, a corrupção no Brasil está muito longe de envolver um sétimo da população. A escala é outra. E por bem encastelados que possam estar, os envolvidos em corrupção parecem perfeitamente dispensáveis e substituíveis. Mas o conceito de amnésia coletiva vem a calhar. E dá ensejo à pergunta óbvia. Por que razão o país deveria compactuar com uma amnésia coletiva na questão da corrupção, justo quando se defronta com o desafio de desmantelar o projeto cleptocrático de poder que o arrastou para o colossal atoleiro em que está metido?
Boa pergunta. O país não deveria compactuar com uma amnésia coletiva. A Lava-Jato precisa continuar seus trabalhos até limpar muito mais sujeira, ainda que a tal purificação plena seja impossível e até indesejável. Mas a analogia com o nazismo é pertinente, ainda que para mostrar como há um limite em que o pragmatismo deve falar mais alto. Nazistas permaneceram em cargos relevantes: o quão asqueroso é isso do ponto de vista de um idealista? Mas Judt está certo: foi o que ajudou a reconstruir a nação destroçada.
É o que também defende o Dr. Sebastian Gorka em seu excelente Defeating Jihad, em que apresenta um plano para derrotar o terrorismo islâmico após resgatar a história concisa do Islã. Gorka compara o que foi feito no Iraque pela equipe de Bush ao que foi feito na Alemanha após a derrota de Hitler. No Iraque, tentaram passar uma régua geral, limpar todo o sistema dos aliados do sanguinário ditador Saddam Hussein. E foi uma desgraça!
O caminho ficou livre para os xiitas radicais ligados ao terror jihadista, enquanto todos os sunitas ligados a Saddam foram eliminados de seus postos. Ninguém com conhecimento dos problemas nacionais ficou para ajudar na reconstrução. O Iraque hoje é um fracasso como modelo de reconstrução, derrubando as fantasias românticas da turma de Bush. Faltou realismo. Faltou pragmatismo.
Voltando ao Brasil, concordo com Werneck: não temos uma situação tão dramática. Mas sabemos que a corrupção é endêmica e está em estágio de metástase. O único alerta razoável é o de que tentar limpar isso tudo de uma só vez pode ser impraticável e mesmo perigoso. Mas calma: não estamos nem perto de um ponto de inflexão pragmática. O projeto cleptocrático de poder dessa turma precisa ser desmantelado. Talvez chegue o momento em que certo limite foi ultrapassado. Mas estamos longe dele. Em frente, Sergio Moro!
Rodrigo Constantino
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