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Por João Luiz Mauad, publicado pelo Instituto Liberal

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Conheço um monte de gente que se diz “liberal-conservadora”.  Geralmente, essas pessoas afirmam ser liberais em economia e conservadores nos costumes.  Pretendo aqui tentar esclarecer que a expressão “liberal-conservador” é um oximoro, uma contradição em termos.

Em seu famoso manifesto “Por que não sou conservador”, Hayek imaginou um triângulo eqüilátero no qual, sobre cada um dos vértices, situavam-se liberais, conservadores e socialistas.  O triângulo de Hayek visava contrapor a ideia de que os liberais se encontram no meio de uma linha em que os extremos são ocupados, à direita, por conservadores e, à esquerda, por socialistas.

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Malgrado existam liberais, conservadores e socialistas de diversos matizes, distribuídos ao longo de cada um dos lados do triângulo, a verdade é que podem ser traçadas fronteiras bem nítidas entre essas três correntes.  Assim como os ditos socialistas podem ser mais ou menos radicais (comunistas ou social-democratas), o mesmo ocorre com os conservadores e com os próprios liberais.  Entretanto, nenhuma dessas correntes ou ideologias se funde com a outra.  Assim como não existe “social-liberalismo”, também não acho adequado falar de “liberal-conservadorismo” ou “social-conservadorismo”.

Embora certos nichos neoconservadores mais radicais ainda prezem o nacionalismo e, por conseguinte, apoiem medidas protecionistas (tanto em relação ao comércio quanto à imigração), além do aumento da tributação para financiar o fortalecimento das forças armadas, de forma geral a doutrina conservadora observa o liberalismo econômico como um valor, ainda que lhe atribuam um peso bem menor que os próprios liberais.  Portanto, se você é liberal apenas em economia, mas conservador no resto, você não é “liberal-conservador”, mas apenas conservador.  Da mesma forma, a defesa da liberação das drogas, da prostituição, da eutanásia, etc. não o torna um “social-liberal”, mas, pura e simplesmente, liberal.

Por outro lado, muitos liberais autênticos se consideram conservadores pelo simples fato de defenderem valores morais rígidos.  Gente que é avessa ao consumo de drogas, à prostituição, à eutanásia, ao aborto, à pornografia, bem como professa valores religiosos e familiares rigorosos, por exemplo, não raro se considera conservadora.  Na verdade, você pode ser tudo isso e, ainda assim, ser um liberal radical, bastando apenas que você não defenda o uso dos poderes de polícia do estado para impor aos demais os seus valores ou obrigá-los a rezar pela sua cartilha.

Este que vos fala é considerado por muitos um sujeito bastante careta.  Entre outras coisas, está casado há 32 anos com a mesma mulher, não consome drogas, não é chagado à pornografia, nem a prostitutas.  Entretanto, defende o direito dos outros de fazer tudo isso e acha que o Estado não tem o direito de impor seus próprios valores aos demais.

Ninguém explicou essa questão melhor do que Hayek.  Segundo o austríaco, “Em termos gerais, poderíamos afirmar que o conservador não se opõe à coerção ou ao poder arbitrário, desde que utilizados para fins que ele julga válidos. Ele acredita que, se o governo for confiado a homens probos, não deve ser limitado por normas demasiado rígidas”.

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Como se vê, o que determina se alguém é liberal ou conservador não é, de maneira nenhuma, os valores morais segundo os quais essa pessoa decidiu viver, mas a sua visão sobre os limites dos poderes do estado.  Portanto, a diferença não está propriamente nos valores, mas precisamente nos princípios que cada um defende.  Mas deixemos que o próprio Hayek sintetize:

Como o socialista, o conservador preocupa-se menos com o problema de como deveriam ser limitados os poderes do governo do que com o de quem irá exercê-los; e, como o socialista, também se acha no direito de impor às outras pessoas os valores nos quais acredita. Quando digo que o conservador carece de princípios, não quero com isso afirmar que ele careça de convicção moral.

“O conservador típico é, de fato, geralmente um homem de convicções morais muito fortes. O que quero dizer é que ele não tem princípios políticos que lhe permitam promover, junto com pessoas cujos valores morais divergem dos seus, uma ordem política na qual todos possam seguir suas convicções. É o reconhecimento desses princípios que possibilita a coexistência de diferentes sistemas de valores, a qual, por sua vez, permite construir uma sociedade pacífica, com um emprego mínimo da força. Sua aceitação significa que podemos tolerar muitas situações com as quais não concordamos.

“Há muitos valores conservadores que me atraem mais do que muitos valores socialistas, porém a importância que um liberal atribui a objetivos específicos não lhe serve de justificativa suficiente para obrigar outros a submeter-se a eles. Não duvido que alguns de meus amigos conservadores ficarão chocados com as “concessões” às opiniões modernas que eu teria feito na Parte III deste livro. Contudo, embora possa não gostar, tanto quanto eles, de algumas das medidas mencionadas e até votasse contra elas, não conheço nenhum princípio geral ao qual recorrer para persuadir os que têm opinião diferente de que tais medidas são inaceitáveis na sociedade que eu e eles desejamos. Para conviver com os outros é preciso muito mais do que fidelidade aos nossos objetivos concretos. É necessário um comprometimento intelectual com um tipo de ordem em que, até nas questões que um indivíduo considera fundamentais, os demais têm o direito de buscar objetivos diferentes.

É isso aí!

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Comentário do blog: Esse é o tipo do texto que gera boas reflexões, mas também alguma confusão. Afinal, é complicado encaixar tantos pensamentos em apenas três categorias estanques. No meu curso “Trajetória das Ideias Liberais“, resumo o pensamento de 40 ilustres defensores da liberdade, mas nem todos seriam considerados liberais por esta ótica. Faço, portanto, algumas considerações aqui. Em primeiro lugar, Hayek está atacando mais os neoconservadores americanos do que os conservadores tradicionais da linha britânica nesse famoso texto. Com seus alertas aos riscos da “arrogância fatal” e apelos aos limites da razão, Hayek era e pode ser confundindo com os conservadores dessa linha iluminista empiricista, que tem Burke, Hume e Smith como representantes. Por isso mesmo teve de escrever um texto explicando porque não era um conservador. Além disso, o fato de um pensador focar bastante nos temas morais já o torna, hoje, um “conservador” para muita gente, que tem confundido liberalismo com libertinagem e “não-julgamento”. Explico melhor isso no meu curso “Civilização em Declínio: salvando o liberalismo dos ‘liberais’“. Por fim, tenho algum receio do conceito de coerção ser o único a definir um liberal. Nesse caso, penso que só haveria espaço mesmo para os libertários (e os mais radicais) dentro do liberalismo, o que não é historicamente acurado. Ironicamente, muitos seguidores de Rothbard já consideram o próprio Hayek não mais um liberal, mas um socialista! O livro de Merquior sobre o assunto pode ajudar aqui. Existiriam, nesse caso, não um, mas alguns liberalismos. Como se pode ver, o tema é complexo mesmo e não se esgota num artigo.