A vitimização de marginais chegou ao limite do suportável neste país dominado pela impunidade e, por tabela, pelo crime. Ninguém aguenta mais ver “intelectuais” e artistas transformando em “vítimas da sociedade” indivíduos que, mesmo sob a influência negativa de suas infâncias difíceis, fizeram escolhas erradas ao longo da vida, tornando-se monstrinhos assassinos. Onde fica a volição, o livre-arbítrio? Onde fica o respeito a todos aqueles que, nas mesmas condições complicadas, souberam optar pelo trabalho honesto?
Em artigo publicado hoje no GLOBO, o poeta Luis Turiba agiu como porta-voz desses “intelectuais” que são incapazes de cobrar responsabilidade individual dos outros. Já começa escorregando feio ao endossar a visão romântica de Rousseau sobre o ser humano:
Lembro que Paulinho da Viola nos apresentou nos anos 70 um belíssimo samba de Wilson Batista chamado “Chico Brito”, cujo refrão joga luz sobre as centenas de meninos que perambulam nas quebradas do Rio de Janeiro armados de botes e facas: “Se o homem nasceu bom/ E bom não se conservou/ A culpa é da sociedade/ Que o transformou.”
Recomendo ao poeta o clássico O Senhor das Moscas, de William Golding. Comento assim sobre o livro em meu Esquerda Caviar:
O mal existe. O ser humano, ao contrário do que quer acreditar a esquerda caviar, não nasce bonzinho, mas com inclinação para a prática da violência. Nelson Rodrigues resumiu com perfeição: “Se é verdade que um menino está isento do bem e do mal, então é um pequenino canalha”.
Em O senhor das moscas, William Golding retrata com realismo essa natureza humana, presente na mais tenra idade. Qualquer pai sabe que seu filho, desde muito cedo, gosta de apelar ao uso da força para obter aquilo que deseja. Civilizar é impor limites a esse impulso natural, que sempre, no entanto, estará lá, latente, como uma besta à espreita, aguardando uma oportunidade para emergir com total energia.
Quem não quer se dar ao trabalho de ler, ao menos veja o filme O anjo malvado, com Macaulay Culkin, de 1993. É ficção, claro, mas retrata algo factível: uma criança pode ser, no fundo e desde cedo, um pequeno monstrinho, capaz das maiores atrocidades. Mas a esquerda caviar politicamente correta não aceita isso, não quer encarar a maldade existente nos seres humanos. Com essa agenda em mente, até a tradicional música “Atirei o pau no gato” mudou completamente, e hoje temos uma versão patética assim:
Não atire o pau no gato
Porque isso não se faz
O gatinho é nosso amigo
Não devemos maltratar os animais
Jamais!
Os pais que preferem crer que seus filhos são anjinhos inocentes acabam prejudicando os próprios. Estes nunca vão saber que é normal desejar algumas maldades, querer, por ciúme, que o irmãozinho, centro de todas as atenções, se dê mal de vez em quando. A versão antiga da música, assim como vários outros exemplos deturpados pelo politicamente correto, serviam ao menos para apaziguar a criança com tais desejos de crueldade e violência, que ainda sentem, apesar da negação dos pais covardes.
Ou seja, não nascemos “puros” ou “bons”, tampouco a culpa de nossa violência é da “sociedade”, que é formada, pasmem!, pelos próprios seres humanos que supostamente nasceram bons. Colocar a culpa da violência numa abstração como a sociedade é retirá-la de indivíduos de carne e osso, responsáveis por suas atitudes. Bárbaros são aqueles que não foram civilizados, educados, ou que nascem com algum distúrbio.
Não dá para negar que o ambiente hostil de miséria e violência em que tanta gente é criada em nada ajuda. Ninguém diz o contrário, ninguém vai afirmar que o “menino de Manguinhos” teve as mesmas oportunidades na vida que os filhos de Chico Buarque ou Verissimo, da elite abastada. Seria absurdo. Mas isso tampouco quer dizer que há um determinismo aqui, que a pobreza levará inexoravelmente o garoto à criminalidade. Não! Muitas vezes o filho de classe média ou alta cai no crime, como Chico Buarque bem sabe, pois roubou carro quando era jovem.
Quem pariu o assassino do médico ciclista Jaime Gold não foi a “sociedade”, como quer crer o poeta, mas seus pais. E sua mãe, que não foi capaz de educá-lo, já apelou para a mesma desculpa esfarrapada usada pela esquerda caviar, com os mesmos “argumentos” repetidos pelo poeta no GLOBO: a culpa é da “sociedade”. Ela não tem nada com isso. Se casou mal, se não soube tirar o filho do caminho errado, se não soube evitar o vício, isso não é de sua alçada, pois basta por tudo na conta da tal “sociedade”.
“O menino de Manguinhos não veio ao mundo com uma faca entre os dentes. Nem cresceu roubando bicicletas, tampouco deixou de ir à escola porque quis. Alguém, entre tantas declarações odiosas que ouvimos nos últimos dias, fez um translúcido comentário: ele é também uma vítima e nós somos as vítimas das vítimas”, escreve Turiba. Ora, ele não nasceu com a faca entre os dentes, mas ele lá a colocou! E isso foi fruto de suas escolhas erradas, assim como as de seus pais, dois indivíduos com nome e sobrenome, ao contrário da tal sociedade.
Chamá-lo de vítima é desrespeitar a verdadeira vítima aqui, o médico que salvava vidas e teve a sua terminada por um marginal cruel, que lhe abriu a barriga como um Jack estripador. O poeta agride todas as pessoas de bem ao tratar um monstro desses como vítima, quando estamos diante de um rapaz insensível, incapaz de empatia, agindo como um psicopata com a convicção de sua impunidade. O poeta intensifica o desrespeito ao culpar a polícia pelo bandido:
O menino de Manguinhos já é um adulto terceirizado aos 16 anos sem nunca ter sabido o que é ser criança. Tampouco teve uma bola para as vadias peladas de favela e não aprendeu as pedaladas de Robinho, mas especializou-se em bicicletas — de preferência as mais caras. Tinha um olho no mercado do crime, pois sabia que sua cabeça — assim como as de outros meninos da escola do abandono — estava na mira do cão de um fuzil de algum tresloucado PM.
Muitos marginais tiveram oportunidade de estudar, mas não quiseram. Tiveram acesso às bolas de futebol, às pedaladas do Robinho, e mesmo assim escolheram roubar outras bicicletas. Jogar essas escolhas nas costas da polícia, que precisa subir favela e enfrentar bandidos armados com fuzis em troca de baixos salários, isso é mais do que injusto; é indecente! Um poeta gosta de brincar com palavras, mas deveria ter mais sensibilidade e respeito com seu uso, pois elas podem ferir. Para concluir, o poeta “progressista” mostra sua cara sensacionalista, para encantar a plateia que deseja preservar o romantismo inspirado em Rousseau, o pai do totalitarismo moderno:
O menino de Manguinhos está enjaulado antes de a maioria penal engolir outros meninos, conforme deseja um Congresso retrógrado e conservador. Educação e escola nada. O menino de Manguinhos já estava condenado antes mesmo do crime da Lagoa. O Brasil precisa reagir com urgência para estancar essa desabotinada produção em série de milhares de outros meninos de Manguinhos.
Agora é “retrógrado e conservador” lutar por punição para crimes hediondos, monstruosos, que ficam impunes hoje apenas porque o monstro não completou 18 anos. Eis a mentalidade do poeta, que vende como panaceia a palavra mágica “educação”, ignorando que, sem a verdadeira educação dentro de casa, sem os limites impostos pelos pais, sem a civilização que não depende necessariamente da conta bancária, nada se resolverá.
Jogar mais dinheiro público nesse modelo fracassado de ensino estatal não é receita para nada. Agora, buscar resgatar valores civilizacionais, talvez até mesmo por meio dos ensinamentos morais das religiões que poetas “progressistas” normalmente abominam, isso talvez ajude. Assim como voltar a implicar o sujeito em seus atos, cobrar responsabilidade individual daqueles que fazem escolhas erradas ao longo da vida. Com certeza temos aqui uma proposta bem mais razoável do que essa dos “intelectuais”, que sempre culpam uma abstrata “sociedade” pelos crimes praticados por indivíduos.
PS: Reparem que o autor sequer chama o assassino pelo nome, preferindo em seu lugar a expressão “o menino de Manguinhos”. Retira, assim, o pessoal e cai no abstrato. Poetas adoram abstrações. Mas a faca que rasgou Jaime Gold era bem concreta, bastante real, assim como o sangue que se esvaía levando junto sua vida.
Rodrigo Constantino
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