Admiro – ou será que admirava? – o colunista Reinaldo Azevedo, ex-colega de VEJA. Estivemos juntos algumas vezes, todas em momentos de bate-papo agradável. Além disso, aprecio seu estilo de escrever, e costumava concordar com a maioria das coisas, tanto que vivia o citando em meu blog, sem me importar com a ausência de recíproca. Não sou muito vaidoso, e prefiro focar na causa e nos resultados.
Acompanhei sua estranha guinada à esquerda (ou para longe da Lava-Jato) com alguma curiosidade, sempre preservando o benefício da dúvida. Lia e relia seus textos com boa fé, tentando refletir sobre os argumentos. Cheguei a questionar se não haveria um bom ponto neles, se eu é que poderia estar equivocado.
Num dos textos que escrevi, disse que o seu apreço ao legalismo parecia excessivo, mas que eventualmente eu mesmo poderia migrar nessa direção, caso a Lava-Jato assumisse ares de justiceira extralegal, no pior estilo de Robespierre. Mas estamos longe disso, muito longe!
Por isso fui vendo o massacre de Reinaldo Azevedo nas redes sociais em silêncio, lamentando e cada vez encontrando menos razão para defendê-lo. Em sua coluna de hoje na Folha, esse limite do obsequioso silêncio foi ultrapassado. Em respeito aos meus leitores, eu preciso me posicionar, eu tenho de reagir.
Reinaldo simplesmente compara a atuação de Sergio Moro hoje com a de Robespierre na Revolução Francesa, e ainda diz que Lula não fez um governo de esquerda. Como assim?! Era “populista” e “ladrão”, mas não de esquerda? Balela! Esse discurso falso só interessa à própria esquerda, mais especificamente aos tucanos da velha guarda que pretendem substituir o PT na defesa do esquerdismo. O socialista fabiano José Serra que o diga. Azevedo escreve:
Tampouco me incomoda a figura de Lula, que tanto rancor desperta na extrema-direita boçal: porque operário na origem, porque supostamente ignorante, porque nordestino, porque padece de idiopatia gramatical, porque é eneadáctilo… A propósito: Geddel Vieira Lima tem dez dedos.
Lula ainda é uma das maiores inteligências políticas do Brasil. Sua trajetória prova isso. De resto, nunca foi esquerdista. Tampouco fez um governo de esquerda. O que matou o PT foi o misto de populismo e roubalheira. O primeiro levou a economia para o buraco. A outra minou-lhe a reputação. E, sim, era Lula o chefe inconteste da equação.
Por que reduzir tanto o papel sombrio de Lula na podridão em que o Brasil se encontra hoje? Por que compará-lo a um Geddel Vieira? Este, por acaso, quase se tornou o Chávez brasileiro, o Fidel Castro da terra brasilis? O que matou o PT foi um misto de populismo e roubalheira sim, mas também com sua visão esquerdista de mundo!
Ignorar isso é má-fé ou desinformação. E tenho dificuldade de ver Reinaldo Azevedo como alguém ignorante. O projeto lulopetista tem tudo a ver com o esquerdismo, com uma visão de mundo em que o estado assume um papel cada vez maior, controlador, intervencionista, “justiceiro social”. Como dissociar isso da esquerda? Por que fazer esse esforço? Reinaldo diz:
Causavam-me ainda repúdio a contaminação ideológica de organismos de Estado como Ministério Público, Defensorias e Judiciário; a transformação das universidades públicas em aparelhos do partido; a permanente crispação que buscou dividir o país entre “nós” (eles) e eles (nós); a determinação de eliminar os adversários, não apenas de vencê-los; as ações concretas e objetivas que buscavam instaurar, na prática, um regime de partido único no país, ainda que as siglas fossem se multiplicando.
Mas ora bolas, ele está descrevendo justamente as táticas esquerdistas de chegada e permanência no poder! Foi assim na Argentina, na Venezuela, na Boívia, no Equador… E depois diz que isso não tem nada com a esquerda? Abana o rabo como um cachorro, late como um cachorro, mas não é cachorro? É gato? É pato?
Voltando à Lava-Jato, Reinaldo se diz um liberal defensor do Estado de Direito, um legalista purista, mas esquece que o poder Executivo, em conluio com o Legislativo, está tentando barrar a lei, operar na sombra para impedir o avanço no combate à corrupção. O que a maioria dos políticos atuais quer é impunidade!
Só alguém com um termômetro muito mal calibrado pode estar mais preocupado hoje com eventuais excessos de Sergio Moro e Deltan Dallagnol do que com os esquemas dos grandes partidos no Congresso, com apoio do Planalto, para enterrar a Lava-Jato. Em que mundo vive? Reinaldo conclui:
Não darei a demiurgos os seus dez meses de Terror Salvacionista. Já tiveram a chance de dizer a que vieram, durante a Revolução Francesa, entre setembro de 1793 e julho de 1794. Não foi bacana. Meu apoio à Lava Jato, nos limites da lei e da Constituição, é incondicional.
Meu liberalismo não admite um período de autoritarismo profilático. Liberalismo assim é coisa de abestado.
Lamento, mas coisa de abestado é usar a energia, o espaço na imprensa e os neurônios para combater a Lava-Jato, como se ela estivesse agindo fora dos limites da lei, e ainda fazer isso em nome do liberalismo, como se a turma da nova direita estivesse toda clamando por justiceiros, déspotas esclarecidos, e não pelo próprio cumprimento da lei, que está ameaçado por conta dos parlamentares corruptos!
Diante disso tudo, pergunto: Reinaldo Azevedo está mesmo defendendo apenas a lei, o Estado de Direito, os interesses do Brasil, ou teria algum outro interesse mais obscuro por trás dessa batalha que ele resolveu travar? Pois parece que ligou mesmo uma motosserra e a apontou na direção de Moro.
Serra, serra e serra, até dividir o povo do lado de cá, que deveria estar unido no propósito de impor, de fora para dentro, as mudanças necessárias e inadiáveis na política nacional, endireitando assim o país. Serra…
Rodrigo Constantino
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