“Um conservador é um liberal que foi assaltado.” – Irving Kristol
Quando alguém por quem não nutrimos a menor admiração nos ataca, normalmente só com rótulos, devemos simplesmente ignorar. Mas quando um amigo, por quem temos respeito e admiração, faz críticas construtivas, devemos parar para refletir, e de preferência responder, com educação. É o caso aqui.
Leandro Narloch, meu colega de Gazeta do Povo, escreveu um texto perguntando por que sou tão chato. Tomou como base um comentário meu ontem no Facebook sobre o eclipse solar, que julgou azedo (não foi só ele). Aproveitou para criticar meu pessimismo com os rumos culturais do mundo, e afirmou que eu deveria festejar jovens libertários mais “descolados” ou “desapegados” (a geração OLX adora essa “leveza” de não se prender a nada mais denso).
Vamos por partes. Sobre o comentário do eclipse, eu reconheço: parece coisa azeda mesmo. Mas quem me conhece pessoalmente – e o Narloch conhece – sabe que sou uma pessoa leve, descontraída e divertida. Aliás, considero a falta de humor um pecado mortal, e por isso escrevo tantos textos irônicos (o Narloch mesmo já confessou adorar as ONGs falsas que crio).
O que me incomoda de verdade são os modismos. O sujeito que genuinamente curte o eclipse, fenômeno interessante da natureza, e quer registrar esse momento com amigos e família, tem meu total apoio. O que me dá certa aversão é o “Maria vai com as outras”, aquele que precisa se mostrar muito interessado em algo que até ontem nunca tinha se ligado, pois é o que se espera dele. O que busca aquele “senso de pertencimento”, de forma um tanto histérica e afetada: esse é o meu alvo.
É o meu lado mais Pondé de ser. Tenho pouca paciência para aquela multidão que coça o queixo com ar de profundidade em museus de “arte” moderna, por exemplo, diante de um pedaço de lixo como se fosse a coisa mais impressionante do planeta. Por que ele faz isso? Carência afetiva, instinto gregário, necessidade de afirmação, vai saber! Mas eu olho isso tudo com distância e, admito, certo repúdio. Na era das redes sociais, esse tipo de comportamento saiu de controle, e os modismos bobocas explodiram.
Mas essa é a parte boba da crítica. A mais importante, sem dúvida, é sobre os libertários libertinos, que eu deveria, segundo Narloch, celebrar. Ledo engano. Como diz uma frase de Roger Scruton que circula pela internet: os conservadores podem ser chatos, mas também estão certos. Aliás, Scruton mesmo tem um ótimo livro sobre a importância do pessimismo. Pessoas muito otimistas, sem fundamento para tanto, podem ser apenas ingênuas.
É o caso de Narloch. Ele não consegue enxergar a relevância dos valores morais para uma sociedade, cuja liberdade não sobrevive num vácuo de valores, menos ainda com os valores errados. O excesso de hedonismo irresponsável, a ideia de que todo limite e freio aos apetites é uma opressão terrível, a confusão entre liberdade e libertinagem, tudo isso tem ajudado a minar os pilares de nossa civilização. E eu confesso que acho muita cegueira não enxergar isso.
A postura de Narloch é a típica postura de libertários ou “liberteens”. Uma vez vi um debate de Ann Coulter numa universidade, sob a moderação do libertário John Stossel, e ela em determinado momento disse algo assim: “Vocês acham que liberdade é só o direito de fumar maconha e transar?”. Pelo que percebo por aí, é exatamente o que muita gente, normalmente da elite mimada, pensa. Falta a eles a noção exata de como é difícil manter uma civilização.
Os sinais de decadência moral estão por toda parte. A “marcha das minorias”, o “império dos oprimidos”, a “revolução das vítimas” e a “ditadura do politicamente correto” tomaram conta do mundo ocidental. Até uma saboneteira automática que não é capaz de identificar a mão negra vira sinal de racismo! Um funcionário brilhante é demitido da Google por simplesmente falar que homens e mulheres são diferentes!
Mas Narloch acha que é tudo besteira, que é coisa de gente chata mostrar o absurdo do mundo pós-moderno, dominado por essas almas sensíveis que confundem seus desejos com direitos. Participo de um grupo de debates com gente muito inteligente do mercado financeiro, e fiquei espantado de ver como esse perfil libertário é comum lá. Acham que a liberdade econômica é a coisa mais importante do mundo, e que ninguém deveria se importar muito com valores morais ou culturais. “Live and let live”. Carpe diem!
Como Narloch, eles apontam para a afluência sem precedentes do mundo ocidental. Respiram do mesmo otimismo de Matt Ridley, que Narloch também adora (eu li e é bom, mas peca por essa visão limitada de mundo). Eis onde os conservadores podem agregar aos libertários, como venho defendendo. Nunca houve tanta riqueza, e nunca se consumiu tantas drogas, tantos antidepressivos! E nunca vimos tanta gente abraçando seitas malucas, em busca de algum sentido. Até o Islã radical está seduzindo jovens ocidentais! Food for thought, não?
O materialismo excessivo somado ao individualismo exacerbado representa uma ameaça e tanto às liberdades individuais, por mais paradoxal que isso possa parecer. As pessoas precisam de um propósito mais elevado para viver. Nem só de pão vive o homem. O vazio espiritual provocado pela era moderna tem produzido muito desespero e angústia, e os mais bizarros tipos de fuga.
O mesmo Adam Smith que defendeu o livre mercado previu que a riqueza dele proveniente iria suavizar o espírito humano, minar virtudes como a coragem e a honra. E não é o que vemos, quando alemães “homens” colocam saias para protestar contra suas mulheres sendo estupradas por barbudos de turbante? O Narloch acha que gente assim vai defender a civilização ocidental das ameaças externas, do islamismo radical, do fascismo? Churchill teria chances contra Hitler liderando uma turminha dessas?
O relativismo moral é um dos grandes males da era pós-moderna. Vivemos na era do não-julgamento, onde uma prostituta e uma médica devem ser vistas com o mesmo respeito, a mesma estima, caso contrário somos preconceituosos. Os libertários, em muitos aspectos, são inocentes úteis dos “progressistas”, e não se dão conta da guerra cultural em curso. Falta leitura, falta maturidade.
Dito isso, entendo a crítica de Narloch, e acho que mensagens mais positivas podem seduzir mais. Se a direita virar sinônimo de ser ranzinza, vai afastar muita gente, especialmente os jovens. Mas, por outro lado, Nelson Rodrigues já sabia que o jovem deveria crescer, em vez de os intelectuais formadores de opinião endeusarem a juventude como “fonte de sabedoria”.
É como o pai que pode querer ser coleguinha do filho, mas agindo assim estará sendo irresponsável e prejudicando o próprio filho. O bom pai impõe limites, toca a real, não vive dourando a pílula, muito menos incitando o moleque a dar vazão aos seus apetites todos. Isso mais parece coisa de Mefistófeles com Fausto.
Em suma, agradeço pelo toque, meu caro Narloch, e reconheço que às vezes me excedo mesmo na “chatice”. Mas é que olho em volta e vejo um mundo muito chato também, pelo motivo contrário: falta pessimismo filosófico, falta discernimento, ceticismo, coragem, e sobra “happy people”, gente afetada nas redes sociais fazendo um esforço danado para “pertencer”, para chamar a atenção, para aparentar felicidade, a mesma que não sente de verdade, tendo de buscá-la por meio de drogas.
Crescer pode ser desagradável, como sabe Peter Pan. Amadurecer exige uma dose de amargura, é inevitável. Como no “Matrix”, onde existe a pílula azul e a vermelha. Há quem prefira manter as ilusões e, com a ajuda de um bagulho bem apertado ou um Prozac, enxergar o mundo mais cor de rosa, até mesmo se encantar com o eclipse de forma um tanto afetada. Eu respeito essa escolha. Mas desde quando vi o filme pela primeira vez, nunca tive dúvidas de que tomaria a pílula vermelha.
Rodrigo Constantino
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