Por Ricardo Bordin, publicado pelo Instituto Liberal
Impossível alguém passar a vida sem proferir, nem que seja uma vez ou outra, o surrado provérbio segundo o qual não se deve dar o peixe, e sim ensinar a pescar. O contexto do emprego da metáfora costuma ser o mesmo: se o governo disponibilizar as condições para que as pessoas humildes evoluam por si mesmas, não será necessário conceder-lhes benesses estatais no futuro, reduzindo, assim, a demanda por políticas assistencialistas.
Só que a tese de que o povo precisa que alguém lhe ensine a pescar é também dotada de teor paternalista, e seus desdobramentos práticos, via de regra, são a degradação do cenário econômico e a necessidade premente de mais paternalismo, em um ciclo infindável.
O brasileiro é um povo notório por sua criatividade, iniciativa e capacidade de adaptar-se a qualquer situação para sobreviver ou prosperar – nosso famigerado “jogo de cintura”, que inclui no pacote, por vezes, ter de driblar a burocracia e a sanha arrecadadora estatais para seguir empreendendo.
Diante de um cotidiano caótico e uma vida atabalhoada pelos percalços da indevida intervenção do Estado na economia, o brasileiro, ainda assim, integra-se às novas tecnologias – malgrado os pesados impostos que tanto as encarecem, dando origem a startups de reconhecido sucesso. Mesmo durante a crise, negócios inovadores despontam e comprovam a capacidade de nosso povo de se virar (mesmo como freelancer) e fazer dar certo.
Considerar, portanto, que o brasileiro precisa ser pego pela mão por algum suposto ente governamental benfeitor e caridoso para que possa subsistir e evoluir é, no mínimo, ingenuidade – e, no limite, mau-caratismo, tendo em vista que a intenção de “ensinar a pescar” tende a ser o pretexto ideal para criar diversos órgãos estatais, aumentar o papel e a influência do governo na vida das pessoas e inchar a máquina pública (para tanto extraindo recursos dos setores produtivos da sociedade).
“Ensinar a pescar” pode ser caracterizado especialmente como dar educação a todos. Então tome dinheiro para o MEC ficar enchendo a cabeça de nossos estudantes com marxismo e demais teorias anticapitalistas. Falar em privatização, sistema de vouchers, Escola Sem Partido, meritocracia para alunos e professores, ensinar as matérias em vez de instigar “senso crítico” (leia-se: transformar jovens em zumbis repetidores de slogans de esquerda)? Coisa de fascista, claro.
“Ensinar a pescar” também engloba a possibilidade de adquirir o material de pesca, certo? Então vamos criar um banco de fomento a atividades empresariais, ainda que, em verdade, ele apenas sirva para captar dinheiro caro no mercado financeiro e repassá-lo a juros mínimos para os ditos “campeões nacionais”, gerando corrupção indefectivelmente e enriquecendo grupos de interesse que exercem forte lobby junto a governantes. E assim segue o Estado em sua missão de tirar dinheiro das pessoas pobres para dar aos ricos fingindo que tira dos ricos para dar aos pobres.
“Ensinar a pescar” também pode ser tipificado como prover infraestrutura e logística por meio do investimento estatal, visando o desenvolvimento nacional, correto? Nada mais justo, portanto, que o governo transforme-se em um grande empresário de diversas atividades econômicas, desde a geração de energia (ainda que venha a quebrar o setor para baixar na marra as taxas durante o período eleitoral), passando pelos correios (meio bilhão de prejuízos em três meses no corrente ano), até, claro, a menina dos olhos de ébano, a prospecção (junto ao refinamento e a distribuição) de petróleo. Se o custo de oportunidade de realizar todas essas empreitadas for elevadíssimo e ainda tornar necessário endividar o governo até o pescoço, provocando aumento crônico de inflação e juros, paciência: é do jogo.
“Ensinar a pescar” também deve consistir, por óbvio, em expandir o crédito via bancos estatais, ampliando a base monetária, gerando a falsa sensação de que há dinheiro no bolso de todos, e soprando uma bolha que, quando estourar, fará todos os peixes sumirem do rio e endividará todas as famílias do país, causando recessão e desemprego – e transformando indivíduos outrora independentes em novos candidatos a receber as aulas de pesca “gratuitas” do governo, na forma de suas mais variadas facetas, como supramencionado.
Veja a armadilha esquizofrênica em que caímos quando entramos nesta conversa fiada de “ensinar a pescar”: damos carta branca para que aqueles que tem a chave dos cofres públicos possam inflar o orçamento indefinidamente em prol desta “causa tão nobre” de tornar as pessoas autônomas em relação ao Estado – sendo que o efeito obtido é exatamente o oposto!
Os índices de desenvolvimento humanos de um país estão intimamente ligados ao seu grau de liberdade econômica – e isso não é opinião de algum “neoliberal” sem coração, mas sim a frieza dos números falando em alto e bom som.
Ou seja, apenas não atrapalhem o pescador que ele certamente voltará para casa com a bolsa cheia. Nós temos muito o que aprender com ele, com o homem comum que prescinde de conselhos de intelectuais para viver sua vida, e não o contrário. Achar que precisamos ou mesmo podemos ensinar a pessoas possuidoras de tanto conhecimento prático como ganhar seu pão é resultado de prepotência mixada com visão romanceada de mundo. Elas só querem, em verdade, uma coisa: que o governo pare de impor obstáculos, permitindo que elas possam poupar mais e pagar menos pelos bens que consomem. Mais nada. Palavras delas mesmas.
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