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Ninguém é contra o combate ao trabalho escravo, mas antes é preciso definir muito bem o conceito
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A tentativa por parte da esquerda de monopolizar as boas intenções é uma constante no debate político nacional. Não seria diferente com o caso do trabalho escravo. Pensemos seriamente no assunto: quem, em sã consciência, pode defender o trabalho escravo em pleno século 21? Alguém realmente acredita naquela imagem caricata de latifundiários acorrentando pobres trabalhadores e lhes dando chibatadas para labutarem no campo de sol a sol?

Claro que não é isso que está em jogo aqui. A imensa maioria dos brasileiros apoiaria qualquer intervenção estatal contra um absurdo desses, inclusive os produtores rurais. Quando a PEC do Trabalho Escravo empaca no Congresso por conta da reação da “bancada ruralista”, é porque há algo mais em risco ali. E ela foi finalmente aprovada pelo Senado apenas porque os ruralistas tiveram sucesso ao incluir a necessidade de uma definição legal e mais precisa sobre o que é considerado trabalho escravo.

Eis o xis da questão. Para a esquerda revolucionária, cujo objetivo é expropriar terras e acabar com os “latifúndios” no país, trabalho escravo não tem nada a ver com essa descrição feita acima. Bastaria não cumprir alguns dos mais de 230 itens das leis trabalhistas para ser considerado trabalho escravo e ficar sujeito à expropriação estatal.

Por isso é tão importante amarrar o conceito a uma definição objetiva, como defendem os ruralistas. Aqueles que lamentaram a inclusão deste “detalhe” na PEC expõem seu real objetivo, que não tem ligação alguma com o combate ao trabalho escravo de fato. Esse foi o tema da coluna da senadora Kátia Abreu neste fim de semana na Folha, em que disse:

A PEC do Trabalho Escravo, recentemente aprovada pelo Senado -por unanimidade, aliás-, prevê a expropriação de terras nas quais for constatada essa prática, destinando-as para a reforma agrária e para os programas de habitação popular.

Isso implica que se defina precisamente, na “forma da lei”, o que significa “trabalho escravo”. Não se pode deixar a critérios arbitrários uma definição cujas consequências são de grande alcance. Devemos, sobretudo, descartar qualquer viés político e ideológico nessa questão.

Com efeito, a ideologização pode configurar um risco à própria liberdade defendida. É evidente, por exemplo, que a servidão por dívidas não pode ser confundida com questões trabalhistas ou sanitárias, que são objeto de outra forma de legislação e de punição.

Se um produtor rural não seguir uma determinada regra no que diz respeito à distância dos beliches entre si, não estará ele abrigando uma forma “análoga” à do trabalho escravo. Trata-se de uma questão de bom senso!

Mas bom senso é tudo aquilo que essa ala da esquerda mais despreza, em nome de sua ideologia revolucionária. O que seria, então, um trabalho escravo na modernidade? A senadora, por meio das normas da OIT, dá a resposta:

Busca-se, portanto, clareza nessa definição, como estabelece a convenção 29 da OIT: a) submissão a trabalho forçado, via uso da coação e restrição da liberdade pessoal; b) proibição da liberdade de ir e vir, sendo o trabalhador obrigado a ficar em seu local de trabalho; c) vigilância ostensiva do trabalhador, com a retenção de seus documentos pessoais, d) servidão por dívida, obstaculizando a liberdade do trabalhador.

Em outras palavras, o uso de coerção ou ameaça de coerção, que fere a liberdade básica de qualquer indivíduo para realizar apenas trocas voluntárias com seus empregadores. A coerção pode ser dissimulada, disfarçada, indireta, mas para se caracterizar trabalho escravo ela deve estar presente. Caso contrário, podemos lamentar a precariedade das condições de trabalho em um país pobre, os riscos envolvidos, mas não podemos falar em escravidão.

Um policial assume risco de vida constante em seu ofício, ganha mal, e nem por isso falamos em trabalho escravo. É uma escolha voluntária, e ele é livre para abandonar o emprego quando quiser. Liberdade não é poder, e essa é uma confusão comum. Eu sou livre para muitas coisas que não posso fazer, por falta de capacidade física ou financeira. Mas ninguém me impede de tentar, de correr atrás, logo não sou um escravo. Escravidão demanda o uso de coerção por parte de terceiros.

Que fique bem claro de uma vez: ninguém é contra o combate ao trabalho escravo, mas sim contra sua definição vaga, ambígua e arbitrária, que gera profunda insegurança jurídica e coloca em xeque um pilar básico das civilizações avançadas e capitalistas, que é a propriedade privada – justamente o alvo preferido da esquerda socialista. Todo cuidado é pouco com essa gente e seus projetos de lei.

PS: O lamentável nisso tudo é lembrar que a senadora Kátia Abreu, com esta visão clara da coisa, debandou-se para o lado de lá e hoje apoia a reeleição da presidente Dilma do PT, partido que é o ícone dessa linha revolucionária que ameaça a propriedade no campo – e nas cidades também.

Rodrigo Constantino

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