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Nossos problemas econômicos são de natureza doméstica acima de tudo

O tema proposto para o debate na parte de opinião da Folha hoje foi se nossa economia frágil resulta do cenário externo. Belluzzo foi o convidado para sustentar que sim, que nossos problemas têm origem no resto do mundo. Maílson da Nóbrega foi o responsável por defender a tese de que não, nossos problemas não são de ordem externa, mas sim doméstica.

Maílson está certo, naturalmente. Claro que a “crise dos emergentes” tem influência e afeta todos os países. Mas é análogo ao caso da maré que baixou, expondo quem nadava nu. Ora, culpar a maré, e não a própria nudez, é um equívoco que serve apenas para não assumir responsabilidades.

Por acaso, a coluna de Helio Schwartsman fala do mesmo assunto. O colunista começa tímido, alegando que talvez seja cedo para afirmar categoricamente que Lula foi apenas sortudo. Mas termina afirmando que fica cada vez mais patente que “o movimento de transferência de riqueza dos países ricos para os emergentes, devido ao boom das commodities principalmente a partir de 2006, foi decisivo para o bom desempenho do Brasil”.

Agora que a molezinha acabou e o ciclo de bonança parece esgotado, “as deficiências na gestão da economia vão se escancarando”. Ou seja, a fase boa foi, sim, resultado de fatores externos. Como o governo do PT não fez seu dever de casa, prefere culpar o mundo pela fase ruim.

Mas a verdade é que não seria necessário sofrer dessa forma, com resultado tão medíocre, se o momento positivo tivesse servido para reformas, e se não houvesse tanta trapalhada na área econômica. Em suma, nossa fragilidade atual é totalmente ligada aos erros domésticos.

Em janeiro de 2010, no auge da euforia com o Brasil, quando tudo parecia um céu de brigadeiro, escrevi no GLOBO o artigo abaixo, alegando justamente que aquilo era devido ao resto do mundo. Hoje, fica cada vez mais claro que esse ponto de vista estava correto. Bastou o verão terminar e vimos que o Brasil não havia se preparado para o inverno…

Correlação e Causalidade

Uma falácia lógica muito comum é assumir que dois eventos que ocorrem em seqüência cronológica estão necessariamente interligados através de uma relação de causa e efeito. O galo canta antes do nascer do sol, mas este não nasce porque o galo canta.  Infelizmente, a arte de manipular dados vem ganhando cada vez mais terreno, com efeitos nefastos para a sociedade. A estatística não pode ser a “refinada técnica de torturar os números até que eles confessem”.

Tomemos como exemplo a taxa de crescimento econômico nacional. Muitos, numa análise simplista, chegam à conclusão de que o governo Lula causou o crescimento acelerado dos últimos anos, sem levar em conta as inúmeras e complexas variáveis que influenciam tal crescimento, como, por exemplo, o contexto mundial. Crescer 4% ao ano enquanto os demais países emergentes crescem 6% ou mais não é um desempenho tão louvável assim. Se o preço das commodities que exportamos subiu, se houve uma abundância de capital no mundo, se a taxa de juros permaneceu artificialmente reduzida nos países desenvolvidos, nada disso faz parte desse julgamento superficial. Basta verificar o crescimento econômico e atribuí-lo à gestão atual, como se o mérito fosse do governo.

Não é assim que se faz uma análise séria. E quando colocamos uma lupa nos dados, com o auxílio de uma sólida teoria econômica, o que emerge pode ser oposto à intuição inicial. O governo Lula contou com muita sorte durante seu mandato, onde fatores externos, como o crescimento chinês, favoreceram bastante o país. Seu maior mérito foi não ter feito aventuras na macroeconomia. Já as reformas estruturais que poderiam ter colocado o Brasil na rota do crescimento sustentável foram todas deixadas de lado. Aquilo que o governo chama de medidas “anticíclicas” contra a crise não passa de estímulos insustentáveis à demanda agregada. Inchar os gastos públicos de forma permanente e expandir o crédito através dos bancos estatais não é receita de crescimento sustentável. Faltam investimentos produtivos e reformas estruturais, e os gargalos de sempre poderão limitar o crescimento a mais um vôo de galinha. O longo prazo foi sacrificado em prol do foco imediatista eleitoreiro.

O economista francês do século 19, Frédéric Bastiat, chamou a atenção para aquilo que se vê, e aquilo que não se vê. Um bom economista deveria ser capaz de enxergar um horizonte distante, evitando as armadilhas da miopia. Somente assim ele poderia compreender o custo de oportunidade das medidas econômicas. Se o governo anuncia um programa de gastos através da impressão de moeda, ele deve alertar para a inflação à frente. Se o governo aumenta os repasses para famílias mais pobres, ele deve considerar o aumento dos impostos, que retira da iniciativa privada recursos que poderiam estar gerando novos empregos. Se o governo aumenta o salário mínimo, ele deve projetar seu impacto negativo no nível de emprego formal. Enfim, analisar as medidas do governo somente com base em seus efeitos imediatos é um perigoso equívoco.

A pergunta que todos deveriam fazer é: qual a alternativa? Se o governo não retirasse do setor privado determinado recurso, como este seria aplicado? Se o governo tivesse feito as reformas estruturais, qual teria sido o crescimento no período? Não basta comparar taxas de crescimento entre governos. Correlação não é causalidade. O sol não brilhou mais forte no Brasil porque o galo cantou mais alto; o galo é que está cantando mais alto porque o sol começou a brilhar mais.        

Rodrigo Constantino       

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