Terminei o novo livro de Umberto Eco, Número Zero, neste domingo, e fui verificar o acompanhamento das manifestações a favor do impeachment pela imprensa nacional. O livro retrata justamente um jornal manipulador, como quase todos, segundo o narrador, ele mesmo um jornalista “perdedor”. A analogia é inevitável.
A mando de um empresário rico que pretende entrar no “clube seleto” dos donos de jornal, pois queria mais poder e influência, um editor-chefe é contratado para montar uma equipe e preparar o lançamento de um futuro jornal, chamado “Amanhã”. Só que tudo não passa de uma farsa, para pressionar o fechado clube a aceitá-lo, sob a ameaça de mais um competidor na praça caso contrário.
A história vai se desenrolando tendo como pano de fundo um dos jornalistas contratados, que segue pistas sobre uma hipótese fantasiosa de que Mussolini não teria morrido conforme o relato oficial, já que aquele linchado pelo povo seria apenas seu sósia. Toda uma teoria conspiratória é criada em torno dessa tese, com vários fatos supostamente aleatórios dando sustentação ao paranóico.
Umberto Eco volta a espetar os adeptos de teorias conspiratórias, como já havia feito em O Cemitério de Praga. Em seu livro mais famoso, O Nome da Rosa, a teoria conspiratória também é o fator principal, mas dessa vez é tratada pelo autor como algo verdadeiro: crimes cujas causas estavam ligadas a manutenção de uma biblioteca que mantém em segredo obras apócrifas, que não seriam aceitas em consenso pela igreja cristã medieval. No caso, a obra criada por Eco é atribuída a Aristóteles.
Mas teorias conspiratórias à parte, o que interessa aqui são as táticas que o narrador revela para um jornal mentir e manipular dizendo apenas a “verdade”. São receitas reais de como engambelar o leitor, iludi-lo, levá-lo na direção que o editor pretende sem que ele perceba o que está de fato ocorrendo. É essa parte importante do livro que não saía da minha cabeça ao ler as notícias sobre as manifestações brasileiras.
A quantidade de presentes, quando é contra o governo, é sempre subestimada, enquanto acaba superestimada em protesto chapa-branca; a seleção de quem vai comentar o ocorrido para o jornalista ou o que será mostrado na imagem faz toda a diferença; a escolha das palavras é feita sob medida para influenciar na interpretação dos fatos; e por aí vai. O que não conseguimos enxergar com clareza é uma imprensa mais imparcial que esteja a serviço da verdade mesmo e do interesse do próprio leitor.
Uma jornalista da Folha, conforme Reinaldo Azevedo relata, teria inclusive chamado o organizador do Movimento Brasil Livre, Renan Santos, de “otário”, tomando o partido dos “ciclistas” incomodados com a obstrução do caminho. Num domingo! Queriam que a manifestação fosse num dia útil, como faz a esquerda que não trabalha? A simples escolha da pauta já é uma vergonha ao jornalismo nacional, justificando a alcunha de “Falha de São Paulo” que alguns dão ao veículo.
Ao término do livro, o narrador de Eco conclui que sua Itália está tão esculhambada quanto os países latino-americanos, onde ninguém precisa mais de teorias conspiratórias pois o absurdo já foi banalizado e os criminosos são conhecidos por todos, mas isso não impede que sejam bem tratados pelo público. Depois que certas coisas são ditas abertamente, acredita-se em qualquer mentira contada, ou não se acredita mais em nada, o que dá no mesmo. Fatos desaparecem da cena: simplesmente não existem mais ou não importam.
Ninguém precisa de teorias conspiratórias para ficar arrepiado com a imprensa brasileira e seu viés esquerdista. A quais interesses ela atende fica bem claro quando vemos a maneira pela qual vândalos, vagabundos, invasores e sindicalistas vendidos são tratados, como “manifestantes legítimos” de “movimentos sociais”, e a comparamos com a forma que os cidadãos patriotas e apartidários que se juntam espontaneamente para clamar pelo impeachment são retratados. Ao que a grande imprensa resolve dar destaque é algo que espanta aos olhares mais atentos. Como confiar nessa imprensa desse jeito?
PS: Escrevi hoje cedo em minha página de Facebook, por acaso, essa mensagem:
Sei que é um pouco deselegante de minha parte, mas como não falar disso? As páginas amarelas da Veja, depois de Randolfe Rodrigues, trazem o senador Paulo Paim, que faz uma “crítica” ao PT por não estar à esquerda o suficiente e porque se tornou “apenas tão ruim” quanto os demais, sendo que o homem aguentou mensalão e petrolão na boa. Por que dar espaço para um sujeito desses? Para falar suas baboseiras ele já não tem a Caros Amigos e a Carta Capital?
Em tempo: a propaganda logo após a entrevista, de duas páginas, é do Banco do Brasil. Um pouco mais adiante, outra publicidade de duas páginas, dessa vez dos Correios. Só para constar.
Rodrigo Constantino