Por Ricardo Bordin, publicado pelo Instituto Liberal
O antinatalismo vem se convertendo na mais nova bandeira daqueles que não aprenderam a lidar com as dores do mundo e querem impor suas frustrações a todos os demais seres do planeta.
“Não é ético ter filhos biológicos”: assim resumiu uma entrevistada pela rede BBC os motivos pelos quais resolveu não apenas evitar ser mãe, mas também adotar uma filosofia de vida que prega que todas as mulheres do mundo deveriam assim agir. Trazer novas vidas a um mundo superpovoado e com recursos limitados seria “uma falta de responsabilidade”, ela alega.
Conhecida nos Estados Unidos como childfree, a doutrina antirreprodução ganhou contornos de produção científica por meio do trabalho acadêmico de David Benatar, diretor do departamento de Filosofia da Universidade da Cidade do Cabo, na África do Sul, intelectual que assegura que “nascer é uma profunda desgraça”.
O que move os propagadores desta concepção são dois fatores essenciais:
A) O ser humano consome recursos demais do natureza, e sua reprodução desenfreada poderia significar o fim da biosfera terrestre;
B) A vida humana seria permeada de tanto sofrimento que não faria sentido trazermos a este mundo cruel mais pessoas para vivenciarem tanta injustiça;
Vale enfatizar que não se trata apenas de uma decisão particular no sentido de não gerar descendentes, mas sim de uma tentativa de persuadir (ou mesmo obrigar) a todos os demais sobre a conveniência desta resolução.
Da mesma forma que o movimento vegano não se contenta em deixar de ingerir carne, leite e ovos, mas busca difundir tal cultura por meio da propaganda ou mesmo pela aprovação de leis (isto é, fazendo uso do poder coercitivo do Estado), também os antinatalistas extrapolam a esfera de suas próprias existências e pretendem interferir nas deliberações daqueles que desejam constituir famílias.
Falta-lhes a humildade de pressupor que possam estar errados e sobra-lhes a petulância de considerarem-se os engenheiros de uma sociedade perfeita.
Vejamos porque as teses deste grupo não merecem prosperar, mas tão somente despertar nos indivíduos mentalmente saudáveis sentimentos de compaixão e pena em relação a seus adeptos.
1) Malthus estava errado. A Teoria demográfica Malthusiana foi criada por volta de 1789 na Inglaterra pelo economista Thomas Robert Malthus, e divulgada em sua principal obra, Ensaio sobre o princípio da população.
Afirmava ele que a produção de meios de subsistência (comida) crescia em ritmo demasiadamente lento, em progressão aritmética, sendo restrita aos limites naturais da Terra. Já o crescimento populacional, evoluindo a taxas geométricas, tenderia a ser 28 vezes maior que o de alimentos disponíveis nos dois séculos seguintes, o que geraria uma grande calamidade mundial, onde significativa parcela da humanidade morreria de inanição e seus sobreviventes travariam guerras por territórios férteis— um verdadeiro cenário de Mad Max.
Tais fundamentos serviram de inspiração para diversos movimentos eugenistas e abortistas ao longo do tempo, e muita gente ganhou dinheiro em cima do terror causado pela mera possibilidade de tais previsões virem a se confirmar — lucrar assustando os outros é procedimento bastante comum, afinal de contas (que o diga Al Gore e seu “uma Verdade Inconveniente”, refutado pela própria realidade em menos de 15 anos, mas que engordou bastante as economias do autor neste ínterim).
Só que Malthus não contava com um fator que viria a alavancar a produtividade geral e propiciar o sustento de uma quantidade até então inimaginável de seres vivos: o aumento populacional fomenta a divisão do trabalho, a qual possibilita a especialização nos mais diferentes campos laborais — inclusive a produção de alimentos.
Tipo assim: um náufrago solitário em uma ilha precisa fazer de tudo para sobreviver. Montar abrigo, pensar em como fugir de lá e voltar para a civilização, caçar, pescar, trepar na árvore para colher cocos, e tuti quanti.
Mas a partir do momento em que mais cinco desafortunados desembarcam por lá, torna-se possível que cada um deles seja encarregado de uma tarefa específica, e nela possa tornar-se especialista, atingindo um desempenho muito superior ao alcançado pelo habitante solitário de outrora.
A evolução dos meios de transporte, logística e comunicação ainda aprofundou este fenômeno em escala global, na medida em que nações com vocação agropecuária (como o Brasil) puderam focar ainda mais nesta atividade, a tal ponto que, nos dias atuais, somente em regiões devastadas por conflitos militares, tribais ou religiosos (como o Sudão do Sul) ou dominadas por governos ditatoriais (como a Venezuela) observam-se pessoas morrendo de fome. Nos demais recantos, a obesidade é que tornou-se um problema.
Ou seja, a escassez alimentícia anunciada por Malthus — e propagada por “cavaleiros do Apocalipse” preocupados apenas com suas contas bancárias — não se confirmou justamente por conta do elemento que deveria ser seu catalisador: a expansão da população humana.
2) Viver já foi uma experiência muito mais sofrida do que o é nos dias atuais. Este é o paradoxo que leva muitos ao desespero desnecessário diante de distúrbios de pequena monta: quanto mais estável e confortável torna-se nossa jornada, menos capaz de reagir a turbulências cotidianas nos tornamos.
Nossos antepassados, em épocas relativamente recentes, sofriam sobremaneira para obter coisas que hoje estão ao alcance de nossas mãos ou a um clique de distância. Perder contato com o sofrimento por eles vivenciado — e que constitui a base do conhecimento que nos brindou com tanto progresso — é a receita para passar a achar que “vivemos tempos terríveis”.
Diante deste falso quadro, geralmente pintado por oportunistas das mais variadas espécies, tornar-se-ia justificável entregar toda a nossa liberdade nas mãos de determinados “ungidos” pela sabedoria, a fim de que eles aliviem tanta dor e angústia.
Eis porque políticos com pretensões totalitaristas passam o dia tentando nos convencer de que tudo está desmoronando— bom, em verdade, poderia estar bem melhor, não fosse justamente por causa deles mesmos e suas medidas contraproducentes tomadas do alto de cargos eletivos.
Se aqueles que nos antecederam resolveram seguir povoando o mundo mesmo em meio à peste negra e a guerras intermináveis, seria ato de extrema covardia desistir da humanidade logo quando atravessamos sua época mais próspera e esclarecida.
3) Desestabilizar ou mesmo extinguir os núcleos familiares faz parte do plano de metas de qualquer agenda estatizante. A ajuda mútua que caracteriza o vínculo entre parentes não é interessante para quem quer distribuir assistencialismo estatal. No esforço de concentrar recursos e poder decisório na burocracia governamental, não convém que filhos prestem amparo a seus pais em idade avançada, nem que estes deixem seu patrimônio de herança para aqueles.
Melhor mesmo, nesta empreitada de submeter o povo aos governantes, é o “cada um por si”.
4) Ter medo de criar filhos é uma consequência direta da mudança cultural que se abateu sobre o Ocidente após a década de 1960.
Até então, a sociedade entendia que era dever do genitor prover os filhos apenas com o básico para sua sobrevivência durante a infância, e estes, tão logo chegassem a adolescência, já estariam aptos a trabalhar e serem remunerados — meu pai e minha mãe, nascidos respectivamente em 1942 e 1945, são parte da última geração criada sob este entendimento.
Ou seja, além de ser menos dispendioso ter um filho, ele rapidamente convertia-se em provedor, e logo em seguida partia para cuidar da própria vida, voava do ninho. Por isso eram tão comuns famílias numerosas: filhos deixavam de ser “despesa” e viravam “faturamento” após um curto período de criação.
Mas tudo mudou nas últimas décadas: tornou-se condenável, tanto pela legislação quanto pelos costumes, que os filhos trabalhem antes dos dezoito anos, independente da condição financeira de suas famílias. Cada vez mais comuns são os famigerados adultecentes, adultos sem responsabilidade que simplesmente não conseguem soltar da barra da saia da mãe aos quarenta anos de idade.
Além disso, cerceiam-se cada vez mais os métodos a serem empregados na educação das crianças. A moral em voga não aceita mais palmadas, castigos, falar alto, apontar o dedo…nada! Assim, criam-se monstrengos desobedientes e ainda responsabilizam-se os pais por seus atos errôneos ou criminosos.
Quer dizer, muito deste receio em ter filhos é culpa do “politicamente correto”, que busca incessantemente intervir indevidamente nas relações parentais, e dos agentes da máquina estatal que, da mesma forma, julgam estarem acima dos direitos naturais dos pais, como ocorreu com Alfie Evans no Reino Unido recentemente.
5) A suposta preocupação com uma eventual superpopulação de determinadas regiões planetárias não faz sentido quando observamos que a elevação dos índices de desenvolvimento humano, por si só, trazem em seu bojo a redução dos índices de natalidade — fato que na Europa, por exemplo, escasseou a mão de obra e motivou a abertura sem controle das fronteiras (o que vem aumentando os índices de criminalidade em vários países europeus).
Ou seja, sobrevoar a África subsaariana e a Ásia Meridional despejando pílulas abortivas não é de valia alguma. Devemos, sim, ajudar a liberdade a chegar a estes lugares, pois somente ela traz desenvolvimento e proporciona melhorias na qualidade geral de vida — reduzindo naturalmente, durante o processo, o número de nascimentos.
6) Criou-se, no imaginário popular, uma quase obrigação de “ser feliz”, de “aproveitar a vida”. Qualquer empecilho a esta busca incessante do prazer como único e verdadeiro propósito deve ser prontamente eliminado do caminho — sendo a prole aí enquadrada.
“Fazer valer ao máximo cada momento” é uma falácia das mais sem-vergonhas já disseminadas. Cada momento, considerado apenas em si mesmo, é incapaz de conter tanto significado existencial a ponto de justificar a vida, não interessa o que você faça nele ou quantas vezes este momento se repita.
Somente dentro de um contexto mais amplo, onde momentos ruins alternam-se com momentos bons, e onde estes momentos bons só existem porque nos sacrificamos e internalizamos aprendizados durante momentos ruins, é que forma-se um todo harmonioso que faz sentido e proporciona a sensação de que vale a pena seguir em frente.
Criar filhos significa abrir mão de parte da própria vida por eles? Claro. É assim que tudo no universo funciona, um eterno trade-off onde abrimos mão de algumas coisas para obter outras. Perdemos a possibilidade de dormir até mais tarde para trabalhar e comprar aquele carro que sonhamos. Desistimos de ter infinitas parceiras sexuais para poder cultivar o amor de uma única companheira. E por aí vai.
E isso tudo, em hipótese alguma, é sinônimo de infelicidade. Pelo contrário: contemplar a obra pronta (ou os filhos criados), após anos ou décadas de relativa abnegação, é a própria felicidade em estado puro.
Conclusão: Só posso lamentar pelos antinatalistas. Sinto muito que vocês jamais possam vir a conhecer a emoção de ver uma imagem como esta abaixo. Bem-vindo ao mundo, Lucas!
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