Está em foco o debate sobre o papel do BNDES na economia brasileira. Seu presidente, Luciano Coutinho, disse que fará um “esforço” para moderar o volume de empréstimos ano que vem:
Coutinho evitou dar detalhes sobre as novas diretrizes para concessão de financiamentos, mas afirmou que, em linhas gerais, elas combinarão uma “proporção menor em TJLP e mercado”. Disse ainda que a carteira na área de infraestrutura, apesar das restrições previstas para o próximo ano, deve crescer em 2014, já que a demanda nessa área segue “muito firme em função do sucesso que vem ocorrendo nas concessões”. Coutinho confirmou ainda que o aporte de R$ 24 bilhões que será feito pelo Tesouro ao banco público será usado para fechar as contas de 2013 e honrar os contratos firmados no segundo semestre. “Temos uma carteira bastante grande neste ano, por conta do primeiro semestre muito forte”.
Outra reportagem do jornal Valor mostra que especialistas, escutados pelo jornal, concordam que o BNDES deve reduzir seus desembolsos:
Para os especialistas, a redução do tamanho do BNDES, que este ano deve liberar volume recorde de R$ 190 bilhões, é necessária, e deve ajudar o governo a reduzir sua dívida pública, avaliada em 60% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, enquanto a média observada nos países emergentes é de 35% do PIB. Outro benefício será dar espaço à iniciativa privada e ao mercado de capitais, para que assumam parte da demanda por crédito que hoje é atendida pelo banco de fomento.
Os especialistas, porém, acreditam que é necessário um processo de redução do papel do banco, que não pode sofrer um corte abrupto para não afetar os investimentos:
O economista-chefe do Bradesco, Octavio de Barros, disse, recentemente, que dois anos é o período que os bancos privados e o BNDES devem levar para se ajustar ao atendimento da demanda por financiamento. O ex-secretário de política econômica do ministério da Fazenda, Júlio Gomes de Almeida, concorda com o prazo, e afirma que o BNDES deve levar de dois a três anos para ajustar seus recursos e fazer frente aos desembolsos sem necessidade de novos aportes do Tesouro. Segundo ele, esse deve ser também o intervalo necessário para que o banco de fomento eleve a taxa de juros de algumas linhas a um percentual mais adequado, sem que haja perda da capacidade de investimento das empresas.
Qualquer tentativa do governo de acelerar esse processo, segundo Almeida, pode impactar a modernização industrial. “Os recursos do BNDES têm sido fundamentais para o investimento industrial. A indústria precisa disso para aumentar sua produtividade e ter maior capacidade de concorrer com o produto importado. Senão, ela vai depender mais do câmbio do que seria razoável”, disse.
Já Mansueto Almeida, do Ipea, acredita que não traz crescimento sustentável um banco que insiste em financiamentos tão subsidiados, e pensa que o BNDES deveria aumentar sua taxa de juros. Mansueto não parece muito preocupado com a eventual queda dos investimentos no curto prazo:
“Mesmo que ocorra queda na taxa de investimento em um período de adaptação, eu não vejo problema. Porque se um país não tem como cobrar taxa de juros positiva para emprestar, então tem alguma coisa muito errada”, observou Mansueto.
Outros especialistas escutados pelo jornal, em outra matéria, atestam que o BNDES poderia reduzir seu papel em maior velocidade. É o caso de Sérgio Lazzarini, do Insper, e autor do excelente livro “Capitalismo de Laços”:
Professor do Instituto de Pesquisa e Ensino (Insper) e especialista na relação entre empresas privadas e setor público, Sergio Lazzarini diz que o BNDES está sendo conservador em suas mudanças, e que há espaço, inclusive, para alterações mais fortes no papel do banco. “Tenho dito que o BNDES distribui recursos para corporações que têm caixa e poderiam buscar recursos no mercado. Ano que vem será difícil, e o governo tem que demonstrar segurança fiscal. Reduzir ainda mais [os desembolsos] seria ótimo e deixaria mais recursos à infraestrutura”, defendeu.
O vice-presidente do BNDES, Wagner Bittencourt, disse, recentemente, que 80% das grandes empresas têm recursos do banco de fomento. Para Lazzarini, essas empresas têm um bom balanço, conseguem oferecer garantias suficientes e, portanto, não precisam do banco de fomento para se financiar. Se a mudança no BNDES atingir essas empresas que têm facilidade de crédito, a restrição de recursos não deve afetar a formação bruta de capital fixo (FBCF), diz Lazzarini. “Se a mudança atingir projetos mais difíceis, no entanto, afetará a FBCF, sem dúvida”.
Eu poderia entrar no jargão do economês, explicar porque o BNDES acaba distorcendo o mercado de capitais, tentar quantificar isso e tudo mais. Não farei nada disso. Os argumentos acima já indicam o problema, e o BNDES, nos últimos anos, expandiu sua carteira de forma assustadora, sempre com o argumento de que isso era necessário para os investimentos.
O resultado está aí: além de fiascos como o Grupo X de Eike Batista nessa escolha dos “campeões nacionais”, temos uma dívida bruta chegando a 70% do PIB, perda de credibilidade das contas públicas após os malabarismos contábeis que tem o BNDES em seu epicentro, e baixo investimento com crescimento econômico medíocre, apesar de alta inflação. Só um petista mesmo pode comemorar um resultado desses!
Em vez de caminhar pela economia, portanto, vou usar uma analogia familiar. Nunca é o ideal, pois o governo não é pai de ninguém, e lhe falta o básico da relação entre pai e filhos: o amor legítimo por sua prole, a preocupação sincera com seu futuro. O governo, ao contrário, é formado por burocratas e políticos, quase sempre voltados para seus próprios interesses mesquinhos e imediatos.
Ainda assim, vamos assumir que o governo é um papai, e que o BNDES é sua carteira. O argumento dos seus defensores é que, sem o BNDES, os investimentos pesados não vão acontecer. O mercado de capitais não teria condições de atender essa demanda. Mas isso inverte a lógica dos acontecimentos.
Não há mais financiamento privado porque existe o BNDES com suas enormes tetas ofertando subsídios para os “amigos do rei”. Na analogia familiar, é como um pai que vive soltando dinheiro para os filhos, mesmo quando esses não entregam os resultados esperados ou prometidos.
Que filho iria correr atrás de um emprego para pagar suas contas? Quem, em sã consciência, vai buscar financiamento no setor privado sabendo que o BNDES está logo ali, oferecendo taxas que chegam a 3,5% ao ano, ou seja, quase a metade da inflação?
Naturalmente, os empresários preferem “investir” em lobby e se aproximar dos tomadores de decisão do governo e do BNDES. Como os filhos puxa-sacos que elogiam os pais só para ganhar aumento de mesada. E os bancos privados nem ousam competir com o BNDES. O mercado de capitais acaba subdesenvolvido por culpa do BNDES, assim como crianças mimadas acabam imaturas e despreparadas para a vida.
O BNDES não tem sido a locomotiva necessária para os investimentos que fazem nossa economia crescer. Ele tem sido um entrave para que o mercado possa funcionar de forma mais livre e sustentável. Chegou-se ao ponto em que nem faz mais sentido discutir quanto o BNDES deveria reduzir de desembolso nos próximos anos. O banco deveria ser privatizado ou extinto de vez! Do jeito que está, prejudica muito nosso capitalismo e, por tabela, nosso país.