Por Vinícius Montgomery de Miranda, publicado pelo Instituto Liberal
Ao longo da história, em diferentes civilizações, há inúmeros registros de escravaturas. Em geral, as disputas dos povos por terras férteis, animais e fontes de água resultavam em batalhas, nas quais ao oponente vencido era reservado o papel de escravo, como espólio de guerra. No Império Romano, a estratégia de conquistar novos territórios resultava no aumento do contingente de escravos, que realizavam diversas tarefas domésticas ou produtivas, além de pagarem tributos ao império. O status social dos senhores de escravos era medido pela quantidade de serviçais que possuíam, e estes eram considerados bens, despojados de direitos e com severas restrições de liberdade. Eventualmente era permitido que possuíssem seus próprios bens, mas sua subsistência, em essência, dependia do favor de seu senhorio.
No auge do império sua extensão territorial alcançou cerca de cinco milhões de quilômetros quadrados, com população de quase 70 milhões de habitantes, sendo 20% escravos. A partir do século IX, com a decadência do Império Romano e as invasões bárbaras, surge o feudalismo como nova organização econômica e política da Europa. Sua economia era fundamentada na agricultura de subsistência, no escambo e no trabalho servil. Em troca de proteção militar e pelo uso da terra, os servos eram obrigados a se sujeitar aos nobres e pagar tributos. Não havia incentivo para o aumento da produção, nem para as inovações tecnológicas que pudessem gerar prosperidade, uma vez que todo excedente de produção era apropriado pelo senhor feudal. A exiguidade das relações comerciais era absoluta e a liberdade de iniciativa praticamente inexistente. Assim, até a Idade Média, a qualidade de vida era presumidamente bastante precária. Muitos sucumbiam diante de doenças, a alfabetização era deficiente e custosa e a alimentação escassa em proteínas. A expectativa de vida não passava de 30 anos e a renda per capita média anual rondava a casa dos US$ 600.
As Cruzadas, nos século XI e XII, quebram o isolamento dos feudos e levam a Europa a um novo nível de trocas comerciais. O comércio de especiarias, tecidos finos e outras utilidades domésticas atrai camponeses para a vida nos burgos – que eram vilas fortificadas -, estimulando a divisão do trabalho e a especialização da mão de obra, ainda que de maneira muito tímida. Os burgueses se ocupavam predominantemente de trabalhos artesanais e do livre comércio. Entretanto, a utilização de moedas nas trocas comerciais e o fomento comercial entre as cidades em formação, e delas com o Oriente Próximo, criam novas oportunidades de trabalho e atraem ainda mais camponeses para as cidades. Surgem as universidades, a pesquisa científica e os primeiros avanços tecnológicos na produção de alimentos. A propagação do conhecimento deixa de ser exclusividade da Igreja e a melhoria nas condições de vida faz a população crescer rapidamente. Contudo, problemas climáticos, que afetaram a agricultura, a Peste Negra, que dizimou mais de um terço da população europeia – grande parte composta de camponeses -, e as guerras dos séculos XIV e XV produzem escassez e fome. As camadas sociais inferiores passam a sofrer com o excesso de trabalho e com a majoração da carga tributária em benefício da nobreza. Irrompem diversas rebeliões populares e novas levas de servos abandonam os feudos em busca do trabalho assalariado nas cidades.
A formação dos Estados Nacionais, a expansão do comércio e a ascensão da burguesia abalam de vez o sistema feudal, de modo que a Europa da segunda metade do século XV se revela bastante distinta daquela da baixa idade média. O incipiente capitalismo comercial fomenta uma espiral de crescimento, amparada na geração de lucros e realimentada pelos novos investimentos, que multiplica o nível de atividade econômica. O ciclo de prosperidade e o crescente acúmulo de capitais permitem a expansão dos experimentos científicos e sucessivas ondas de pequenas inovações que se renovam até o eclodir da Revolução Industrial, em meados do século XVIII. Não obstante a evolução econômica experimentada pela Europa, ocorrem também importantes transformações políticas que sustentam o impulso econômico.
Na Inglaterra, a destituição do rei Jaime II, na Revolução Gloriosa de 1688, e a Declaração dos Direitos (Bill of Rights), que limitava os poderes do monarca, além de ampliar a liberdade civil e de expressão, reforçam o direito de propriedade e fortalecem o Parlamento britânico. Esses fatos geram uma estabilidade institucional que é decisiva para o advento da Revolução Industrial. Então, o trabalho artesanal é gradativamente substituído pela produção industrial mecanizada, que resulta em um aumento de produtividade sem precedentes na história da humanidade. A diversificação da mão de obra e a fragmentação das atividades laborais acentua o ganho de eficiência produtiva, tornando a atividade econômica muito mais complexa e vibrante. A redução dos custos de manufatura permite a universalização do consumo e a formação de poupança. O capitalismo industrial se espalha pela Europa e América do Norte, envolvendo também os países periféricos que passam a fornecer-lhes alimentos e matérias-primas. A independência dos Estados Unidos, em 1776, ajuda a consolidar os ideais de liberdade individual e os valores judaico-cristãos que são os alicerces do progresso e desenvolvimento das nações ocidentais.
Compreender essa evolução histórica da economia – que fez a renda per capita média mundial saltar para aproximadamente US$ 15 mil e a expectativa de vida para mais de 72 anos nos dias atuais – permite entender que alguns elementos são fundamentais para destravar o ciclo de prosperidade e bem-estar dos povos: a liberdade civil, que permite a cada indivíduo fazer suas escolhas e se utilizar de suas habilidades e talentos para produzir bens e serviços demandados pela sociedade, além de se beneficiar; a estabilidade institucional que reduz os riscos de investimentos e estimula a inovação tecnológica e as novas descobertas; o estado de direito que garante respeito às normas e aos direitos fundamentais (direito à vida e direito de propriedade), inclusive pelos mandatários políticos, com limitações do poder constituído; e os valores ocidentais destacados por Warraq no livro Why the West is the Best, a saber: o racionalismo, o auto criticismo, a busca desinteressada pela verdade, a separação entre Igreja e Estado, a força da lei e a igualdade de todos perante ela, a liberdade de consciência e de expressão e os direitos humanos e a democracia liberal. Somente esse conjunto de princípios assimilados por sucessivas gerações permite que cidadãos das nações ocidentais vivam em liberdade e alcancem a plenitude de seu potencial, não importando sua raça, credo ou suas preferências. Da mesma forma, nações não ocidentais que adotam esses princípios – caso da Coreia e do Japão – têm experimentado transformações invejáveis no nível de satisfação de seus povos.
Outro caso interessante de sucesso socioeconômico é o da Austrália. Seu ex-primeiro-ministro Tony Abbott causou polêmica, em 2015, ao afirmar, sob protestos da oposição trabalhista, que havia uma superioridade da cultura ocidental. O fato é que, após as reformas liberais nos anos de 1990, o país passou a apresentar uma performance econômica impressionante. São nada menos que 28 anos sem recessão, com aumento de renda, redução do desemprego e evolução dos indicadores sociais. A receita para tamanho êxito é a mesma que o Brasil e vários países da América Latina e do mundo subdesenvolvido simplesmente se recusam a aprender: gestão fiscal austera, redução da burocracia, redução de barreiras comerciais, desregulamentação do mercado de trabalho, crédito farto e barato, qualificação da mão de obra e a menor interferência estatal possível no ambiente de negócios. Ou seja, nada do protagonismo estatal que costuma ocorrer nas nações de desenvolvimento tardio.
Por isso, o economista e filósofo Frederich Hayek afirma que o sistema de concorrência existente na economia liberal é o único em que o enriquecimento depende exclusivamente do indivíduo e não do favor do poder constituído. Para Ludwig von Mises, o marxismo, que é a origem do insucesso das economias pouco desenvolvidas, é consequência da interpretação errônea de Karl Marx para a derrocada do sistema feudal. Marx não teria percebido que o movimento liberal, que surgiu com o fim do feudalismo, e posteriormente, com a Revolução Industrial, era a abolição da desigualdade entre servo e senhor, perante a lei, e por isso achava que o capitalismo era ainda mais desvantajoso para os trabalhadores que a servidão feudal. A realidade, porém, é incontestável. Da Rússia à Venezuela, do Camboja à Tanzânia, todos os países que apostam no coletivismo colhem inflação, desemprego, estagnação, escalada da violência, desabastecimento, fome e morte.
Depois de tantas décadas de progresso e aumento do bem-estar produzido pela supremacia dos valores ocidentais em todo o mundo, o movimento marxista percebeu que a luta contra o capitalismo não seria bem sucedida no campo econômico e militar, mas sim no campo moral e cultural. Dessa forma, Horkheimer e os expoentes da Escola de Frankfurt entenderam que para revolucionar a economia em direção ao socialismo era necessário minar a moral que sustenta a cultura ocidental e o conservadorismo. Nascem, então, o marxismo cultural e seus subprodutos – o movimento progressista e o politicamente correto -, que silenciosamente deveriam solapar as três instituições independentes do Estado: a Família, a Igreja Cristã e a Escola. Na visão neomarxista esses são os pilares do ocidente reacionário. Assim, colocar a culpa na sociedade pelos crimes praticados por menores e traficantes, distorcer a realidade ao invés de reportá-la, aceitar a corrupção de agentes estatais, se o objetivo for distribuir renda, ou rebelar-se contra a autoridade do pai e do professor, passam a ser considerados comportamentos absolutamente normais na estratégia revolucionária. Nem todos, porém, assistem inertes a essa corrosão dos valores tradicionais. Articulistas como Rodrigo Constantino, entre outros, mostram que os progressistas têm se aproveitado da liberdade de expressão, que somente o ocidente garante aos seus cidadãos, para atacar os preceitos que até aqui permitiram à humanidade uma vida um pouco mais equilibrada e saudável diante das tragédias, conforme muito bem examinado por Jordan Peterson no best seller 12 Regras para a Vida.
Não é por acaso, portanto, que o país do futuro estacionou no pelotão dos países de renda média. Fatores históricos que semearam o patrimonialismo no serviço público, a insistência no Estado como protagonista da economia, o desenvolvimentismo e a política de empresas campeãs nacionais, além de doses crescentes da mentalidade anticapitalista na mídia, nas escolas, no meio artístico e na formação jurídica, criaram um cenário perfeito para a supremacia do marxismo cultural. Ainda que muitos sequer consigam enxergar a conexão do antipatriotismo, do ambientalismo xiita, do feminismo e de outras pautas progressistas com a economia, a realidade é que o coletivismo enferrujouas engrenagens do desenvolvimento brasileiro. Abriu-se espaço para o assistencialismo nos moldes bolivarianos e a defesa despudorada dos privilégios do setor público. A corrupção, o ativismo ideológico e jurídico e a insensibilidade dos poderosos diante do aumento do desemprego, da pobreza e da violência, nada parece ser suficiente para despertar o país do pesadelo de sua trajetória rumo à servidão. Por isso, a tributação escorchante e a restrição da liberdade de iniciativa fazem o Brasil do terceiro milênio parecer uma sociedade feudal com duzentos milhões de patos sustentando os privilégios da nobreza palaciana. Entretanto, a história mostra que não existe estabilidade para tal arranjo. Se não houver uma reorganização do sistema a tempo, certamente sua entropia o levará a um rompimento, com consequências imprevisíveis.
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